Uma figura encapuzada observava em silêncio enquanto o homem de cabelos dourados arrancava a própria mão com uma mordida poderosa. Uma explosão escarlate respingou nas estátuas angelicais, as gotas criando lágrimas de sangue nas faces serenas. Napoleão Bonaparte e Elizabeth Báthory assistiam indiferentes em seus quadros o albino que rasgava freneticamente seu terno Fioravanti.
Outra mordida, agora no próprio antebraço. Os músculos rasgaram, o osso quebrou como se fosse isopor. A chuva de líquido rubro espirrou, agora saciando os sorrisos das figuras demoníacas representadas nos vitrais atrás do trono. O salão majestoso ecoava os risos histéricos do loiro que se deleitava no prazer de dilacerar a si mesmo.
Via-se apenas lábios satisfeitos por baixo do capuz da jaqueta verde escuro. Com mãos nos bolsos do jeans rasgado, o sujeito caminhou até o homem alucinado fazendo menos ruído que uma sombra. O loiro ajoelhou-se no chão, se contorcendo na poça de seu próprio sangue, usando a mão que lhe restava para arrebentar os dois joelhos.
A força sobrenatural esmagou os membros e abriu pequenas crateras no piso de ladrilhos gregos. Seu riso era inconstante e alto, às vezes lembrando um choro tortuoso. O encapuzado fez um sinal com a mão, como se estivesse chamando o insano até ele. Imediatamente, o albino levitou no ar. Ele se contorcia de maneiras impossíveis, como se todos seus membros tivessem sido fatiados e se movessem para direções opostas, querendo fugir do próprio corpo.
Tudo nele se torceu como se fosse um trapo velho querendo enxaguar-se. Mesmo durante essa agonia, ele dava risadas cada vez mais altas e aterradoras. O sangue esguichava pela boca, nariz e orelhas em jorros fugazes, mas não caíam no chão. Todo o líquido carmesim flutuava no ar e se dirigia até a boca do encapuzado, que sorvia tudo com um sorriso malicioso. Em seguida, todas as gotas de sangue do ambiente luxuoso flutuaram. Como insetos desesperados pela luz, voaram sincronizadas à boca de caninos afiados.
Quando todo o sangue foi drenado, as risadas pararam. O corpo murcho e destruído caiu no chão com um baque seco; o que sobrou do homem loiro estirado como um boneco de pano. O sujeito encapuzado então enterrou as mãos no peito da vítima, fincando os dedos. Abriu a caixa torácica como se ela fosse feita de papelão. Enfiou a mão e agarrou o coração que já não pulsava, que sequer estava úmido de sangue. O esmagou com tamanha força que este se esfarelou em uma explosão súbita. Dentro dele, um pequeno tubo metálico reluziu um brilho prateado.
Após o encapuzado guardar o objeto no bolso, subitamente olhou para trás. A solidão do amplo salão, revestido de arte esplendorosa, o encarou de volta. Ninguém. Não satisfeito, ele olhou para as sombras, sondou o ambiente com Auspícios... nada. Teria sido apenas uma impressão? Ele preferiu não arriscar. De imediato, ficou invisível, abandonando o local como se nunca tivesse estado ali.
***
Em um quarto luxuoso de uma mansão em Veneza, um homem de sobretudo e longos cabelos negros segurava um rapaz libertino nos braços. O jovem esguio tinha cabelos curtos e alaranjados, um cavanhaque descendo pontudo pelo queixo. Um sorriso lascivo ascendia seus lábios e o meio de suas calças. O homem mais velho lambia-lhe o pescoço, jorrando ondas calorosas e suor incontido pela pele do rapaz. Ambos estavam de pé, enroscados ao lado da cama com um dossel preto e transparente.
Subitamente, uma mulher surge atrás do sujeito de sobretudo, tal como se tivesse se materializado do ar. Ela vestia uma túnica de seda romana de cor púrpura. Tinha curvas volumosas, cheias de carne. Cabelos cacheados cor de amêndoa despontavam soltos até a cintura. A mulher tinha um ar elegante, quase como uma rainha... e travessos olhos cor de caramelo.
— Perdoe a intromissão, mestre — ela disse, a voz sorridente deixando claro que estava apreciando a cena. — O príncipe de Veneza caiu.
O homem de sobretudo abriu os olhos azuis e parou imediatamente de lamber o jovem, que o olhou confuso.
— Que foi, Lucian? — o ruivo indagou, temendo que tivesse feito alguma coisa que causasse aquele cessar tão súbito.
Sem olhar para a morena, o homem largou o rapaz e caminhou até um espelho, onde conectou as mãos atrás das costas com um ar pensativo. Encarou a si mesmo com a tez pesando sobre os olhos.
— A relíquia? — ele indagou, a voz grave e soturna.
— Roubada — a mulher replicou.
— Que relíquia? — o jovem questionou, sobrancelhas onduladas. — Do que está falando, Lucian? Você tá bem?
Ele não respondeu. Um silêncio desconcertante se seguiu por um longo minuto até que Lucian pareceu tomar uma decisão:
— Prepare o portal, Julissa. Precisamos visitar nosso velho amigo no Egito.
— Portal? — o jovem riu, surpreso. — Quem é Julissa? Tá chapad...
Nesse momento, o rapaz sentiu duas lâminas perfurarem seu pescoço com extrema voracidade. A dor se alastrou, fazendo todos seus músculos tremerem. Ele urrou, não apenas perdendo a ereção, mas molhando as calças no processo. Cogitou que algum tigre tivesse invadido o quarto e pulado nele, mas qual não foi sua surpresa ao ver que era Lucien que o agarrava.
O homem agora o abraçava como uma fera ensandecida, esmagando os músculos e trincando os ossos do ruivo. O mortal sequer conseguiu terminar de gritar a palavra "socorro", pois seu mundo foi escurecendo cada vez mais.
Nos seus últimos momentos, enfim ele viu com quem Lucian estava falando. A mulher de túnica sorriu para ele e disse, serena:
— Bem-vindo à morte.
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🦇 Vampiro A Máscara 🦇 O Despertar de Caim 💀
VampirO apocalipse vampiro começou quando um príncipe da Camarilla foi diablerizado por um sujeito misterioso. Agora, o recém-abraçado Oscar e sua mestra precisarão caçar essa ameaça caótica por toda a Europa. Ao mesmo tempo, um vampiro necromante procura...