| 09 |

450 30 4
                                    

Bernardo tinha sido convocado para jogos de qualificação na Seleção Nacional. Por essa razão, regressou a Lisboa e aproveitou para estar com a família de quem tinha sempre um bilião de saudades.

No Domingo, após o jogo, os pais e os irmãos combinaram um almoço na casa dos avós maternos. O avô era, excluindo a irmã Maria, quem tinha uma relação mais íntima desde miúdo. Pensar em revê-lo enchia-lhe o coração.

"Então como é que vão as balizas inglesas?" O patriarca da família questiona mal o vê, cumprimentando-o de seguida.

"Difíceis para a bola entrar." Responde, provocando o riso de ambos.

"Ah rapaz, quando consigo ver-te em pequenino naquele ecrã é sempre um orgulho enorme." Admite com o carinho que sentia pelo jogador evidente no rosto.

"Obrigado, avô." Bernardo agradece com um sorriso genuíno.

O almoço decorre com normalidade até que o sénior da família Silva chama Bernardo de parte para o seguir até à sala.

Começa por pedir-lhe desculpa pela menção do assunto, pois compreendia que se tinham separado há uns meses, mas ainda não tinha tido oportunidade de se sentar numa conversa franca com o neto.

"O que é que aconteceu, meu filho? Vocês pareciam feitos um para o outro. Lembravam-me de quando conheci a tua avó nas festas da aldeia. Olhei para ela uma vez e os meus olhos nunca mais quiseram conhecer outra mulher. Ela bem que resistiu ao princípio, mas, quando o amor nos apanha na sua jaula, não há como lhe escapar." Sorri ao remontar à memória.

"Eu- eu não sei bem. Foi culpa de ambos talvez, mas não estava a resultar e não fazia sentido continuar a insistir em algo que só trazia infelicidade. A tua história com a avó é diferente." O jogador tenta justificar.

"Aí é que te enganas redondamente, filho. Achas que foi sempre o conto de fadas que vias nas cassetes? Nós discutíamos e chateávamo-nos a sério. Quantas vezes ela não esteve para me deixar. Mas ficou. Ficava sempre. Não porque algo lhe obrigava, mas porque ela queria lutar para que isto resultasse. Não iria fazer sentido com mais ninguém, de qualquer modo." O homem com a face profundamente enrugada explica.

"Na altura talvez fosse mais fácil perdoar certas coisas."

"Era exatamente igual." O avô ri-se com a suposição de Bernardo. "Uma vez, ela ficou tão furiosa comigo... acho que nunca a tinha visto assim. Não me recordo ao certo do disparate que fiz. Deus sabe que eram tantos! Nessa noite, ia dormindo ao relento. Depois de convencê-la a deixar-me ficar no sofá, comecei a planear a minha redenção. No dia seguinte, levei-a até ao zoo que, na altura, era algo que nem toda a gente tinha a oportunidade de visitar como agora. Ela estava maravilhada. Lembro-me que as expressões de fascínio e alegria no rosto dela compensavam todo e qualquer esforço que fosse preciso para fazê-las repetirem-se vezes sem conta. Aí eu percebi que estava completamente apaixonado e que o meu coração pertencia-lhe a ela e a mais ninguém. Tens que descobrir, ao certo, o que sentes com a tua Leonor. Pode não aparecer outra." Avisa-o, dando um leve aperto no joelho do futebolista.

"Isso é muito bonito, mas eu estava a tentar ultrapassar a Leonor, neste momento. Não me parece que ela vá querer reatar ou algo do género."

"Desde quando és um Silva para seres um desistente? Quando estás em campo a perder dois a zero também deixas de jogar e permites que a equipa adversária faça o terceiro golo e por aí em diante? Quando a bola passa por ti também deixas o jogador continuar ou arriscas-te a tentar retirar-lha mesmo que possas falhar ou levar falta? Não agir só porque é o caminho mais fácil? Esse não é o Bernardo que eu conheço."

O internacional português suspira audivelmente e abana a cabeça de modo a concordar com o avô.
"Tudo bem. Eu vou refletir sobre o assunto."

"Assim está melhor!" Exclama, concedendo-lhe uma palmada nas costas. "Agora vê lá é se marcas mais golos que já não grito "O meu neto marcou na Premier League" há um mês."

O jogador ri-se e compromete-se a dar o seu melhor para repetir o feito.

******

O irmão dois anos mais novo de Leonor chegava a Manchester na sexta-feira para uma visita de fim de semana. Fazia-no umas vezes no ano, de modo a matar as saudades que teimavam em não desaparecer pelas videochamadas.

Tomavam o lanche na mesa da cozinha, quando um anúncio do próximo jogo do City é transmitido na televisão e ele menciona o nome de que Leonor menos tinha vontade de abordar.

"Não há mesmo volta a dar entre ti e o Bernardo, han?" João inquire, após uns minutos de silêncio.

"Parece que não." Leonor responde com um desânimo evidente no tom de voz.

"Porque é que vocês se chatearam? Sei que me contaste, mas já nem me lembro." Insiste.

"Nada que valha a pena explicar."

"Então, nesse caso, o que estás aqui a fazer a falar comigo em vez de estares com ele?" O irmão pergunta-lhe como se se tratasse da coisa mais óbvia à face da Terra.

"João, eu estou aqui porque quero. E não quero estar em mais nenhum sítio do mundo. Esquece o Bernardo. Deus sabe que é só isso que tenho tentado fazer." Pede-lhe, visivelmente cansada do assunto.

"Sem muito sucesso?"

"Só por enquanto..."

"Mereces ser feliz, maninha." João diz-lhe, com um sorriso fraco enquanto lhe despenteava o cabelo.

******

Em pleno voo de volta à cidade onde residia, uma frase repetia-se vezes e vezes sem conta na sua cabeça.
"Não iria fazer sentido com mais ninguém, de qualquer modo."

Para ser sincero, aquela frase parecia definir como Bernardo se sentia desde que conheceu Leonor. Desde o primeiro momento naquela discoteca, era assim que tudo parecia. Sem sentido sem ela. Teria cometido o maior erro da sua vida ao deixá-la sair de casa naquele dia?

💙

Este capítulo ficou maior, porque antecede um de umas quantas respostas. Queria deixar aqui, novamente, registado o orgulho na atuação deste menino no jogo de ontem com 1 golo e 1 assistência. 😌
Muitos beijinhos e boas leituras!

Only You | Bernardo SilvaOnde histórias criam vida. Descubra agora