Eu não coloco os fones de ouvido quando saio de casa, seja no ônibus ou na rua, porque eu começo a prestar atenção na música e perco um carro passando que pode me atropelar, perco o ponto onde eu devia descer, perco alguém andando próximo demais na intenção de me assaltar. Em casa, eu aumento o volume no máximo. Normalmente é um pop sem-vergonha, nada demais, algo para relaxar e me ajudar a passar o tempo sozinho numa quitinete em um bairro afastado. Em outros dias, ouço os nomes da MPB, do pop, do rock que têm o aval dos críticos. Vapor Barato, Gal Costa. Future Lovers, Madonna. Ivy, Frank Ocean. Gloria, Patti Smith. Sertanejo é tudo o que se ouve em Tietê, é a cultura da cidade, a cultura caipira. É o som da viola que toca no rádio de manhã. Desde os meus 14, no meu awakening envergonhado à beira da cama, eu passei a rejeitar toda a cultura que não me acolhia. Não ouvia mais o que meus pais ouviam, nem assistia o que assistiam. Busquei novas referências de acordo com o meu novo eu ou o eu que eu gostaria de ser a partir daquele momento. Depois de João, porém, o sertanejo voltou a percorrer meus ouvidos. O peito rasgado daqueles homens, apoiado numa mesa de bar, microfone pendendo da mão, choro guardado entre versos, cordas de viola vibrando e ressonando na rua ― era, tudo isso, o resumo do meu eu interior enquanto minhas mãos esfregavam a privada do banheiro, estendia a roupa no varal, fritava um ovo no óleo usado. Em dois meses eu estava disposto a entregar meu coração para alguém quebrá-lo. What's Love Got To Do With It, de Tina Turner foi, nesse momento, devidamente substituída por Evidências, de Chitãozinho e Xororó.
E quão quente meu sangue passou a ser! Me masturbava toda noite sussurrando "thinking is my fighting."
Às vezes, me masturbava assistindo pornô. Tive várias fases, em cada uma delas um ator preferido. Cliff Jensen, tipo garotão da escola que está a duas turmas acima da sua, malandrão, desengonçado, tranquilão, pronto pra que alguém caia de boca, pronto para que você faça o que quiser com ele. Austin Wilde, te abraça enquanto te come, sorri para você enquanto você sente o pau dele entrando, tocando o interior do seu corpo, bom pra casar, pra passar uma semana na praia, pra transar em lugares públicos e rir depois, como cúmplices. Rafael Carreras, quase um predador, pinga sangue de sua boca aberta, de sua língua quente passeando pelo seu corpo; com ele você simplesmente se entrega, você cruza as pernas sobre suas costas, ele passa os dedos pelo seu cabelo, puxa sua cabeça para trás e deseja seu pescoço estendido, liso, numa curva obscena à espera de uma mordida.
Tinha dias em que eu me masturbava duas vezes, logo que chegava em casa e antes de dormir. Tinha dias em que, além dessas duas, me masturbava no trabalho também. Me trancava no banheiro e me imaginava sentando no colo daquele entregador de água gostoso.
Nossas conversas ainda estavam longe disso. Elas conservavam uma desconfiança maliciosa sobre nossas intenções, mas iam até onde uma conversa convencional poderia ir. Eu disse que ele podia entregar a água sempre às quintas-feiras, seria mais fácil ter um dia fixo, perguntei se seria mais fácil para ele também. Sim, ele disse, prefiro assim também.
João é dois anos mais velho que eu, só isso. Lembro de ter ficado surpreso quando ele me contou, numa de nossas quintas. Não era, pois, tão experiente como todas aquelas tatuagens e o dinheiro gasto nelas e a dor gasta nelas faziam parecer. Ele queria cursar Letras e dar aulas para crianças, ele esperava que o mundo desse uma mudada até aí e aceitassem um professor tatuado, de alargadores, com um marido ― ele se via casado até o fim da faculdade. Claro que ele não falava de mim quando me contava isso, mas eu não conseguia deixar de imaginar nós dois, alianças nos dedos, acordando juntos e dizendo para alguém "meu marido gosta de..." ou "eu tenho que falar com meu marido antes..."
Chegava a doer ficar tão próximo dessa realidade e pensar que dificilmente ela poderia se concretizar. Eu não podia prever nenhuma das voltas que o mundo daria, afinal.