O silêncio ecoava pelos móveis. O detetive engolia em seco, assustado, pensando que ouvira errado.
- Como é, Senhor?
- Ficou idiota agora? Eu o quero como meu substituto.
- Isso eu ouvi, mas por que eu?
-Está incomodado com o ocorrido? Quer que eu dê a vaga a outro?
- Quero! Eu não sirvo pra isso.
- Pois isso será problema seu pra resolver. Eu já assinei a papelada, daqui a algumas semanas, tudo estará encaminhado.
- Mas eu não quero!
- Filho, me escute! Eu não teria melhor pessoa para recomendar se não você. E não é por você não desejar o cargo ou algum gesto de bondade em mim. Não dou a mínima pra sua situação, mas você é o único que desempenhou um resultado do meu agrado.
- Estou trabalhando da mesma forma que todos.
- Mas você não anda me fodendo, Rafael. E isso eu respeito.
Permanecera em silêncio. A dúvida agora o instigara.
- Como eu pensei, curiosidade. Isso é bom. Um deles, um dos seus parceiros, está envolvido com algum esquema pra vazar informações da Delegacia. E eu sei que você não é pela sua condição. Os prontuários indicaram sua esquizofrenia, mas também indicaram uma enorme falta de socialização. Você não tem cara de dedo-duro, mas preciso que tome meu lugar pra evitar que esse cara consiga controle da Delegacia.
Em sua mente viam agora inúmeras memórias quebradas. Todo diálogo que realizara dentro daquele local poderia estar na boca de qualquer traficante da cidade. Sua boca tremia, revelando medo, pois temia que seu amigo, Morpheus, sofresse algo.
- Espero que entenda a minha posição. Você pode não ser o melhor, mas é o mais "aberto", se passar a visitar o médico que eu estou indicando. Obviamente, ele passará algum tratamento para que você não revele a qualquer um as merdas que você faz.
- Eu ainda tenho que terminar a faculdade pra assumir o cargo.
- Por isso, você trabalhará sob a minha vigia. Será agora um Trainee, então espero que não me incomode. Se possível, não conte aos outros, quero fazer um comunicado oficial quando tiver mais tento.
- Mas e minha função como Detetive?
- Essa é a vantagem de ser Delegado, Rafael. Você terá liberdade de investigar os casos que tiver mais interesse e autonomia para seguir seus próprios passos.
Sua mente agora abria um espaço para a possibilidade. Trabalhar com aquilo que sempre desejara. Ser aquilo que queria uma vida toda, sem se preocupar com qualquer incômodo externo.
- Eu vou pensar sobre, Senhor. Obrigado pela oportunidade.
- Pode pensar o quanto quiser, desde que assuma o cargo. Pode se retirar.
Levantando os pesos e as dores, Rafael girou em direção a saída, parando um instante para observar a parede. Uma mancha demonstrava um pouco de mofo próximo de uma estante com livros.
- Algo que queira falar?
Poucos segundos foram o bastante para o clima ficar tenso. O corpo inerte do rapaz olhava, curioso, buscando algo para parafrasear.
- Rafael?
O tom na voz de Oldman já era mais forte do que antes, o que trouxe a atenção de volta.
- Desculpe, Senhor. Estou de saída.
E apressou-se para bater a porta rapidamente.
Mantendo-se firme, mesmo ainda incrédulo, continuou o caminho de volta a sua mesa. Esperava ter mais algum doce em sua gaveta, para que sua ansiedade cessasse. Não seria a primeira vez que seu destaque aos demais vinha, na escola era um prodígio, mas aquilo era diferente. Alguém ali estava roubando informação. O que saberiam dele e da condição dele? Pra quem deveria contar? Seria melhor ficar quieto no fim das contas?
A cabeça não ajudava. A dor vinha aos poucos e a sensação de angústia começava a preencher o estômago. Os dedos das mãos formigavam e aos poucos, o suor caía pelo rosto. Faltava pouco pra chegar na mesa, atrás de um belo caramelo.
- O que está escondendo aí, filho? - Um corpo apareceu em sua frente, surpreso.
Sem palavras, olhou para um vulto que lembrava seu pai. A visão enfurecida o supervisionava, alegando a superioridade e exigindo resposta.
Rafael tremia mais, sabendo que iria voltar pro sótão por mentir.
- Não é nada.
- Tem certeza? - Newman perguntara preocupado.
Duas piscadas e o seu amigo agora brotara em sua frente.
- Tenho sim.
A resposta veio áspera, com a esperança de quem fosse o receptor da mensagem, aceitasse e o deixasse ir embora. Qualquer coisa menos o sótão, ele implorava mudo.
Via-se então em direção ao banheiro. Lavar o rosto e a consciência, ambos suados, seria o melhor a se fazer. Quem quer que fosse, não poderia suspeitar, mas aquilo que fizera levantaria inúmeros questionamentos. Mas antes de qualquer desfecho, era hora de fazer uma pausa. Eram três e quinze. Logo mais era preciso ir.
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Tem alguma coisa no Escuro?
Mystery / ThrillerDono de uma mente nociva e repleta de questionamentos, Rafael se levanta mais um dia para continuar em seu estágio no departamento de polícia. Sua roupa desgrenhada e sem muito brilho revelam que sua personalidade é de alguém descuidado e a beira da...