A parede coberta de mofo embrulharia o estômago de qualquer um que a visse. O jovem de cabelos curtos e pretos, via a enorme borboleta perolada em frente a parede nojenta. Seu instinto o entregava uma forma de fugir, enquanto a curiosidade o levava apenas pra frente. Sua ambição era tocar na criatura, provocando sua luxúria em busca daquela valiosidade.
Manjar mais doce do que aquele não haveria para uma criança gorda, assim como joia mais bem gasta para uma nobreza gorda. A borboleta despertava um tênue entre aflito e novidade. Suas asas negras e brilhantes confiavam a quem as visse uma bela admiração.
O garoto sabia que uma abordagem direta seria suicídio, ou ao menos, um ataque do inseto, era o que pensava. Nada sabia sobre segurar as suas asas para poder vê-la melhor. Pensou em uma forma mais passiva, que confortasse sua postura e a visão do animalzinho.
Um pequeno gaguejo saiu na forma de "Olá".
O inseto continuava parado, com suas antenas para cima, como se sentisse o ar. Iria tentar mais uma vez.
- Oi. Eu me chamo Rafael... Como vai?
Ele esgueirava-se, travado pelos ossos finos das canelas. Sua garganta exalou uma pequena tosse, fazendo as asas baterem fortes.
- Me desculpe! Não quis te assustar.
A velocidade vinha decaindo devagar, como se a borboleta prestasse atenção. Retomava a fala novamente, esperando uma melhor resposta.
- Eu ando bem, sabe? Por mais que esteja preso, pude te conhecer. Isso é ótimo!
Silêncio e passos. Passos rangendo pela madeira, como se o som saísse dos próprios ossos e não do assoalho velho. Como conhecer melhor tal criatura se nem se apresentar cordialmente fizera.
Com os pensamentos em qualquer lembrança que demonstrasse educação, curvou-se, como em uma reverência - aprendera em um filme e sabia que isso seria útil em algum momento. Chegou tal hora. O piso e os dedos eram os únicos elementos visíveis agora que sua cabeça apontava pra baixo. Adiante, a dúvida mortal batia na nuca. Será que ela estava de acordo?
Inclinando o pescoço para cima, mas sem levantar o corpo, voltou seu campo de visão a recém colega, que impressionantemente, tinha suas asas abertas e paralelas à mesa em que estava apoiada. Talvez fosse impressão ou surpresa, Rafael acreditava que tal realização era nada mais que uma devolutiva, o que enchia seu peito de alegria.
- Obrigado por ser tão simpática. Você tem nome?
Ainda não havia tanto progresso assim, pensou. Entretanto, sabia que o gelo precisava ser quebrado!
- Você parece ser muito doce, tipo... Tipo... Chantilly! Esse vai ser o seu nome!! O que acha disso?
Ele sorriu, avançando com os braços abertos, provocando uma exaltação na colega. A borboleta abriu as asas e começou a voar antes que o garoto se desse conta. Quando estava fora do seu campo de visão, ele apenas olhou para os lados, preocupado, entendendo o erro que cometera. Como pudera ser tolo a ponto de afugentar a única pessoa que iria querer ficar perto dele?
Parou e reparou no que havia pensado. Pessoa. Comparar a pobre borboleta de asas negras com uma criatura tão boba como um ser humano. Bocó. Era isso que era, era isso que pensava de si. Um bocó.
Olhava então para a parede com um mofo na parede e que chamava sua atenção por breves instantes.
- Algo que queira falar?
As palavras surgiam na mente, indicando que dormira acordado mais uma vez. O detetive precisava se livrar daquela sua irregularidade, daquela doença, tratar-se com algo que o levaria a melhora. Estava decidido então, assim que pudesse, visitaria o Doutor Brown, mas no momento, Sigma seria suficiente. Estava cada dia mais turbulento e difícil se lembrar do passado, de forma que, por mais que não sangrasse, ainda era uma enorme ferida aberta em seu crânio. Por sorte, não removeria uma parte de sua massa encefálica.
- Rafael?
Perdera-se novamente em tolices.
- Desculpe, Senhor. Estou de saída.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tem alguma coisa no Escuro?
Gizem / GerilimDono de uma mente nociva e repleta de questionamentos, Rafael se levanta mais um dia para continuar em seu estágio no departamento de polícia. Sua roupa desgrenhada e sem muito brilho revelam que sua personalidade é de alguém descuidado e a beira da...