Antes que pudesse perceber, deixara de pegar a barra de chocolate na segunda gaveta à esquerda da mesa de carvalho. Sua condição estremecida e barulhenta escorria pela testa, revelando-se ser um suor gelado e quase doce por conta das besteiras que se encontrava em sua corrente sanguínea. O açúcar agora era queimado como combustível, os dedos perseguiam a tinta fosca da parede e o medo de vomitar no chão contribuíam mais embrulhando o estômago.
Rafael segurava firma sua barriga, com uma postura curva e doente, diferente do que imaginava de um corpo jovem e grande como aquele. Sua idade refletia na careca malfeita, dando aos fios uma esperança fina como o aniversário que chegaria naquele fim de ano.
As pernas bambas mal aguentaram chegar ao banheiro, muito menos seus braços poderiam tornar a encontrar alguma superfície mais resistente para se abrir como aquela porta. Sua raiva crescia, por ser tão inútil, fraco, como se fosse um bebê criado por gigantes.
Por fim, se dava conta de estar nu da cintura pra cima, mal percebendo que removera o casaco preto e a camisa branca sem estampas. Sua índole não permitia que houvesse qualquer resguarda de sua infância, querendo apagar qualquer índice que permitisse retomar a um passado inóspito, mesmo que fosse um mísero desenho do Patolino no algodão que cobria seu peito. Aquilo seria dizer ao seu cérebro a liberdade de voltar muito atrás e limita-se a saber quando papel higiênico tinha no apartamento ou se Morpheus estava bem alimentado.
O corpo grande, mas gasto estava diante de um espelho que cobria o cômodo com ladrilhos de flor. O vidro estava sujo, com manchas de pasta de dentes ou até mesmo de sujeiras incompreensíveis para qualquer pessoa. Não pensava sobre aquilo, mas não poderia deixar de notar que sua mente queria mostrar tantas coisas diferentes em um banheiro nojento. Quem dera pudesse limpar e remover todos os resquícios de emporcalhamento, mas aquilo não era sua função. Talvez se fosse mais sortudo, talvez se não tivesse tido tantas esperanças pra uma vida sã, entregar-se-ia a uma pilha de vassouras e rodos, já que não haveria julgamento nenhum sobre sua condição mental, apenas sobre a limpeza do que estivesse ao seu cargo.
Sabia que desde as épocas mais passadas, fora um menino de ego frágil, sem poder demonstrar qualquer habilidade sem que fosse observado como uma criatura de olhos claros e mente doente. Sua resposta para o mundo que o via era um suspiro e um choro sem lágrimas, apenas desejos de uma morte rápida e que não ferisse mais ninguém.
Podia ver pelo corpo as marcas de condenação que criava sua breve calmaria. Em seus braços, breves hifens ditavam uma continuação que não teria fim, enquanto que pelo tórax, marcas em tons e roxos lembrariam as primeiras aparições do Incrível Hulk. Acreditava que melhor do que aquilo, apenas cianureto o salvaria de mais pecados externos. Não entendia se água sanitária tinha poder total para fazer o efeito desejado, mas não se daria a oportunidade, uma vez que falhado, dependeria de alguém pelo resto da vida.
A flacidez da pele o convidava para realizar algum exercício. Acreditava se não seria mais uma perda de tempo, assim como a vida de fracassos que havia tido até então e se sua mãe o incentivaria colocando pra fugir do sótão.
No corredor, uma onomatopeia de saltos batia pelos corredores, apressados. Os pés de quem fosse deveriam estar perdidos, confusos e incrédulos pela preocupação vil àquela hora da noite.
Rafael, entregue ao estômago, mal ouviu a porta do banheiro se abrir antes de correr para uma das cabines e começar a vomitar. As lembranças doces e açucaradas agora voltavam pela garganta, enquanto as lágrimas de dor desciam pela cara pálida. Se fosse visto por alguém, dar-lhe-iam a face de uma criança que comera demais e agora estava arrependido, pensando em nunca mais engolir tanto sorvete de chocolate.
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Tem alguma coisa no Escuro?
Mistério / SuspenseDono de uma mente nociva e repleta de questionamentos, Rafael se levanta mais um dia para continuar em seu estágio no departamento de polícia. Sua roupa desgrenhada e sem muito brilho revelam que sua personalidade é de alguém descuidado e a beira da...