Tem alguma coisa no Escuro?

Capítulo 6: Leite

Os minutos seguintes foram os piores possíveis que sua mente desequilibrada poderia pedir. Quase com enjoo, Rafael acordou do transe que muitos chamavam de sono. Sua cabeça batia contra si próprio, certamente pelo álcool que ingerira na noite passada.

Sorriu para si no vazio, pois ele mesmo detestava bebidas. Eram mais um veneno para deixá-lo menos são. Os pensamentos voltavam a se organizar e conseguia dizer a si mesmo o que estivera fazendo em uma desconhecida casa.

Sexo. Ele havia transado durante a noite passada, com uma colega do serviço. Ia imaginando se fora a melhor coisa a se fazer, mas pensava consigo porque havia feito aquilo. Parando e analisando sua ação, reconhecia que havia mais impulso do que propriamente um amor. Nem mesmo carinho sentia pela alma que compartilhara a sua cama. Certamente, se não fosse a parceira nua ao seu lado, saberia que fora uma alucinação nova. Em muitos momentos se pegava vendo coisas, animais, pessoas onde não havia nada. Infelizmente não havia nada que pudesse fazer e durante a noite, tudo piorava.

Costuma dizer pra si mesmo: "Tem alguma coisa no Escuro?", esperando que algo o respondesse. Se houvesse som ali, com certeza era uma alucinação. Só haviam três coisas que faziam entradas barulhentas: Uma espaçonave na estratosfera, o Diabo levando uma alma e o Flash na velocidade do som. Quem quer que fosse surpreendê-lo, tinha consciência que seria na calada da noite.

Agora, mais calmo, olhava pra Santos, com os seios à mostra. Volumosos, seu decote violento parecia chamar qualquer homem para sua cama, mas Rafael gostaria que lhe dessem trégua. Cobriu a mulher e levantou-se, indo de encontro ao banheiro para lavar o rosto.

Depois de usá-lo, experimentou andar pela casa, tentado a descobrir melhor onde estava. Ainda com frio, ele pouco se importava de estar nu, imaginando que se a parceira o visse e lhe expulsasse, estaria ganhando um favor. Os passos iam frios pelo piso de madeira. Quantos graus faziam lá fora? Imaginava se o dia esquentaria, talvez assim se incomodaria menos.

Pensou ainda se haveria mais alguém dentro da casa. Não deveria, já que os gemidos de ambos na noite teriam acordado qualquer um. Não pelo som alto, mas pela quantidade, por serem volumosos. Mesmo baixos, eles tomavam todo o espaço da casa. Não se incomodava com isso, afinal aproveitava a noite, mesmo ainda um pouco desnorteado.

Descia as escadas, observando os quadros e as fotografias de algumas pessoas pela casa. Não imaginava quem fossem, mas não tinha vontade de conhecê-los. Olhava Santos nas fotos sorrindo, sempre feliz, mas não via a mesma expressão durante o expediente. Seu rosto quando o encarava era provocador, sério, parecendo que tinha sempre uma coisa para contar. Esperava então que qual fosse esse segredo, que nunca revelasse. Detestava conhecer coisas que fossem o prejudicar e saber algo que não era sobre sua vida de certo o prejudicaria.

Olhou lentamente cada cômodo que despertava curiosidade. Viu que tinha uma sala, uma cozinha, uma sala de jantar e uma salinha com uma espécie de biblioteca particular. Tinha inúmeras coisas além de livros. Papéis velhos, anotações, cadernos fechados e uma mesa com um abajur. Provavelmente era uma sala de estudos, um escritório na melhor das hipóteses, mesmo assim, ainda era pequeno.

Andou até a mesa, onde alguns papéis se encontravam dobrados. Um caderno com algumas folhas o encarava ali aberto e Rafael engolia em seco, temoroso do que leria.

Conhecia muitos casos da polícia onde quem lia o que não devia acabava morto. Seria ele mais um a morrer se fosse até lá?

- Está lendo o que não deveria, filho. A mamãe não gosta quando faz isso.

- Desculpa, eu não vou demorar.

Sentada na cadeira atrás da mesa, sua mãe o repreendia, com uma face de vergonha. As sobrancelhas arqueadas demonstravam surpresa, mas a boca era o principal que revelava desprezo.