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Óbvio que eu ainda nutria sentimentos por Letícia, não se apaga um relacionamento de 5 anos de um dia para o outro, vivemos muita coisa linda durante esse tempo. Ela nunca tinha sido uma pessoa ruim para mim, pelo contrário, me mimava em tudo e não nos desgrudávamos por nada. Mas aconteceu tudo tão rápido que nem tive tempo de pensar em nada, só consigo me sentir traída por ela, e fui, no sentido mais literal possível.

Nos formamos na mesma faculdade em Araguari e assim que me formei, fui morar em São Paulo, Letícia se mudou pro meu apartamento pouco tempo depois. A vida era boa, bem boa, na verdade. Morávamos em um bairro bom, o apartamento era muito confortável, mas aos poucos fomos tomadas pela rotina, nossos plantões não batiam no mesmo horário então quando eu chegava em casa, ia logo dormir, quando ela finalmente terminava o plantão dela, eu já estava na cama desmaiada. Nos desencontramos. Alguma coisa faltava, ela não mais se importava em me tratar bem, o tempo que ela tinha livre pra ficar sozinha comigo, ela trocava pra sair com os amigos. As preferências eram outras, e todo o brilho foi sumindo, mas eu ainda a amava.

Aos poucos fomos perdendo nossa característica de casal. A culpa não foi só dela, caiu na rotina. Mas acaba sendo aquela coisa, se não está mais satisfeita, se não quer mais tentar, termina. Estava disposta a tentar, mas parecia que Letícia não estava, era tudo "tanto faz", ela não fazia questão de mais nada.  Até que a fofoca começou a chegar no meu ouvido. Os colegas começaram a cochichar, sempre me olhavam e cochichavam alguma coisa inaudível e riam.

Flashback on

Eu estava saindo mais cedo do  hospital porque minha última cirurgia do dia tinha sido cancelada, e vi o que eu menos queria ver. Era uma sexta a noite, tudo que eu mais desejava era tomar um bom banho e dormir, no dia seguinte iria viajar muito cedo com Letícia, mais uma tentativa de reascender a chama da paixão na gente.  Que fiasco.

Ao me aproximar do apartamento ouvi vozes, num primeiro momento pensei ser Lucas, um amigo nosso. A voz era fina, não era Lucas, primeira constatação da noite. Esperei um tempo antes de abrir a porta.

"Lê, eu preciso ir, sério! - Barulho de beijo.

Fica um pouco mais, ainda temos tempo, ela vai chegar bem tarde hoje - Letícia falava com a voz manhosa."

As vozes se calaram. Eu fiquei de frente para a porta me perguntando se era isso mesmo que eu tinha escutado. Não era possível. Na verdade era, eu só não queria acreditar que isso estava acontecendo.

Quando finalmente tomei coragem e entrei no apartamento no maior silêncio possível,  vi Letícia aos beijos com uma mulher que não reconheci na hora. As duas me olharam atônitas, ficaram surpresas com o flagra. Perdi a voz, as lágrimas saíram instantaneamente. Eu não estava acreditando no que tinha acabado de ver. Congelei.

A mulher que não reconheci, era Mari a responsável pela ortopedia. Ela não disse nada, vestiu a blusa às pressas e saiu. Nos deixando sozinhas naquela apartamento. Eu chorava de raiva, de nojo delas duas. Na minha própria casa. Há quanto tempo isso estava acontecendo ?

-Aninha, nã - Letícia falou com a voz mansa se aproximando de mim lentamente.

Consegui despertar do transe e fui me afastando dela.

-NÃO É NADA DISSO QUE EU ESTOU PENSANDO ? É ISSO QUE TU TEM DE MELHOR PRA ME FALAR? - Eu definitivamente não sou de gritar, não sou de brigar mas não tinha como eu ficar quieta e disparei a falar. -NUNCA IMAGINEI QUE TU FOSSE CAPAZ DISSO. MAS QUE PORRA LETÍCIA!! TÍNHAMOS UMA VIAGEM AMANHÃ, A PORRA DE UMA VIAGEM, TU LEMBRA ? PRA TENTAR MELHORAR A MERDA DESSE RELACIONAMENTO. E É ASSIM QUE TU FAZ PRA MELHORAR NÉ? REALMENTE, MELHOR SEM TU. MELHOR SOZINHA.

-Ana, deixa eu me explicar.

-NÃO TEM O QUE EXPLICAR. TÁ TUDO EXPLICADO JÁ. TU TAVA FODENDO COM A MARIANA, ME FAZENDO DE TROUXA. DESDE QUANDO LETÍCIA? TU CONSEGUE SER HONESTA AINDA?

Silêncio.

-TU NÃO QUER SE EXPLICAR? ANDA! COMEÇA ME RESPONDENDO.

-Acho melhor você se acalmar Ana, senta aqui.

Segunda constatação da noite, eu sabia bater. Dei um tapa na cara de Letícia. Ela na hora levou sua mão ao rosto. Em momento algum ela chorou. Enquanto eu, não sabia fazer outra coisa.

-SAI DAQUI AGORA!!!! SOME LETÍCIA. ACABOU.

E assim ela fez.

Flashback off

Já estava me sentindo um lixo. Na semana seguinte no hospital, foi horrível. Letícia agia como se nada tivesse acontecido, tentava a todo tempo se aproximar de mim,  e bem, a trouxa finalmente deixou de ser trouxa, todos os casos que ela já tinha tido, explodiram bem no meu colo. Nunca fui tão humilhada em toda  minha vida. Foi então que resolvi sair de lá.

Chega de pensar em Letícia, tenho um bar pra ir com uma deusa. Meu coração acelerou. Peguei meu telefone e mandei mensagem pra ela.

"Vi, vai chover, me arrumei em tempo recorde. Jazim tô descendo, te espero lá!"

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