Nova York, a selva de pedra, a cidade que nunca dorme e onde os sonhos se realizam. Eu vejo essa frase se repetir diante dos meus olhos em todos os lugares: nos jornais, nos comerciais, nas faixadas e nos grandes outdoors iluminados. Desde que me mudei para esta cidade, eu sempre fiquei fascinado em observar as mudanças de cores e a velocidade com que as informações deslizavam em grandes telões nos grandes prédios e edifícios. Porém é uma pena que para mim, já não existam mais sonhos a ser realizados, e sim uma sina a ser cumprida.
Passei as últimas dezenas de anos de minha mísera existência assistindo a filmes no cinema e séries e documentários na televisão. Eu precisava me informar e me atualizar sobre tudo o que acontecia diante de mim e uma vez que eu vivia como um lobo solitário, eu não tinha com quem conversar ou filosofar sobre a vida.
A vida não estava fácil. Fora a solidão que eu enfrentava, eu tinha que arrumar as formas mais criativas de conseguir alimento e sobrevier em uma era dita como "tecnológica". Caçar animais era uma verdadeira dificuldade, visto que agora os humanos precisam viajar para áreas autorizadas para caça e usar armas para matar animais. Mas é claro: um vampiro não precisa de armas, porém era cansativo para mim ter que usar meus poderes toda noite para atrair para uma rua sem saída alguns animais da reserva mais próxima e aguardar por eles. Eu tinha que me sujeitar à vida miserável de caçar ratos e outros roedores de esgoto ou pedir para Mary conseguir algumas bolsas de sangue em hospitais veterinários.
Você deve estar se perguntando, leitor, quem seria Mary: É a humana enfermeira e aposentada que me acolheu, já idosa e que faz palestras remuneradas em um hospital próximo. Uma das melhores de sua época, eu não tive difículdades em convencê-la a me adotar como um animal. Argumentei que eu era um viajante vindo de Paris precisando de um lugar para morar e que estava disposto a contribuir para o sustento da casa. Viúva, desesperançosa e abandonada pela família, ela não pensou duas vezes e me adorou e me amou como um filho, dizendo que eu era de uma beleza "diferente" e que a atraia de forma estranha.
Enquanto Mary saia, eu passava meu tempo miserável a olhar pela janela do pequeno apartamento onde morávamos e caçando durante a noite, pensando no que fazer nos próximos séculos, maneiras rápidas e eficazes de morrer e nele, com seu sorriso sarcástico, seus cabelos dourados e seus olhos amarelos como os meus, tal qual um leopardo.
Não eram poucas as vezes em que eu me indagava onde Lestat poderia estar. Lembro-me que ele me enviara uma carta a cinco anos dizendo que tinha levado o repórter que me entrevistara em 94 "para um passeio", mas não me deu detalhes do que fizera com o homem ou qual era o seu destino na vida. Confesso que cheguei pensar na possibilidade de tentar convencer o responsável pela minha monstruosidade a viver comigo, mas ele me olhou com deboche e saiu sem dizer mais nada. Poucos anos depois, tudo o que eu soube é que ele tinha se juntado a alguns humanos e estava no que se chama de "turnê" em alguma espécie de banda de rock que estava começando a fazer sucesso, mas que atualmente os componentes não estavam mais juntos, até onde eu sei.
E assim eu vivi minha vida até hoje, desiludido e sem esperança de encontrar um amigo, uma alma gêmea ou qualquer termo que fosse utilizado para quando uma pessoa deseja se conectar de forma fraterna com a outra. E em uma dessas noites solitárias, onde eu fazia minhas caminhadas noturnas vestindo uma camisa social dobrada até os cotovelos e uma calça jeans que avistei uma pequeno clarão da janela da casa abandonada onde eu avistei Lestat escondido a 24 anos atrás, onde eu o vira pela última vez. Estranhei aquela aparição, pois eu sempre repeti esse trajeto religiosamente todas as noites e jamais vi qualquer indício de que aquela casa, a um fio de desmoronar sozinha, pudesse ter alguém a usando como moradia. Curioso e feliz pela vida vampiresca me dar algumas vantagens como os passos silenciosos, eu caminhei pelas sombras como um gato e dando um gracioso salto, entrei pela janela, posando meus pés no chão de madeira de forma leve como uma pluma. Eu tinha esperanças de que talvez Lestat tivesse se arrependido e voltado, mas o que eu vi era bem diferente do que eu imaginava.
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Pesadelo e Luxúria - Mais crônicas vampirescas
VampireMais de vinte anos se passaram após Louis ter avistado Lestat, após dar sua entrevista, que ficou conhecida por todo mundo e levada a sério por quase ninguém. Seguindo uma vida solitária, Louis se sente cada vez mais sozinho e melancólico, por achar...