Capítulo I - 6 meses depois

5.1K 234 17
                                    


Faz 6 meses desde Paris e eu não consigo lembrar a última vez que sorri de verdade desde lá. Faz 6 meses que tenho mentido pra mim na esperança de um dia me reencontrar. Clichê? Talvez. Mas o que não é?

Não consigo lembrar muito do que aconteceu antes da minha estúpida impulsividade tomar as rédeas da minha vida. Momentos tão efêmeros que mudaram mais do que eu poderia imaginar, que me mudaram tanto e tão profundamente.

Só consigo lembrar com exatidão o quão desesperados (talvez, desapontados?) estavam os olhos dela quando me viram dar as costas e partir. Olhos que se voltaram na esperança de me encontrar, mas eu não estava lá. "Não seja estúpida, Andy. Ela só não acreditava que sua tolice chegaria a esse ponto", diz meu subconsciente. Mas eu jurei ter visto alguma pontada de desespero. Eu juro...

As bebidas mais amargas são ainda mais amargas quando penso nela. Por isso as bebo. Talvez por isso.

Por que as lembranças são tão amargas? O tremor que me sobe à garganta me silencia só de pensar que ela pode estar com alguém que não a merece. Que ela continue se submetendo a relacionamentos sem sentimentos sinceros, sem o famigerado 'amor', somente para que suas filhas não fiquem sem a tão quista figura paterna. Uma mulher tão forte! Alguém que tantos invejam, que gostariam de ser ou de ter a vida que ela tem, mas sem ter ideia das concessões que precisam ser feitas para encontrar lugar confortável entre os ditos mais poderosos. Não dá pra ser cordeiro entre leões. A indústria da moda não é nada diferente de qualquer outra, e eu entendi isso. Ela me fez entender isso da forma mais lógica e assustadora possível: me fez ser tão parecida com ela em tão pouco tempo. Como resposta a isso, eu tive que correr, não poderia me deixar transformar em alguém assim. Sim, talvez tenha sido ingenuidade minha. Um arroubo de idealismo. "Garota tola", ela me diria.

Faz muito tempo desde que estive na presença de Miranda, e nunca pensei que poderia sentir tanta falta de outro ser humano como sinto a dela. Seus olhares repreensivos, seus toques acidentais, sua proteção velada, até mesmo os sarcasmos cortantes parecem estimular a saudade que me queima o peito. É sufocante.

Mas digo a mim mesma que é apenas uma forte ligação, uma que não sei explicar. Síndrome de Estocolmo, qualquer pessoa sã me diria. Miranda continua sendo um enigma pra mim e eu não sei se tentar desvendar faria bem à minha sanidade. Tanto que ela já me confundiu e confunde...

______________________________________

Andy já estava na terceira garrafa de vinho e mal conseguia se lembrar o porquê de ter começado a pensar nisso tudo de novo. Ela sempre voltava à mesma tecla quando se permitia não pensar em trabalho por mais de 30 minutos seguidos. Isso já não estava saudável há tanto tempo...

Andy tinha odiado Miranda – ou pelo menos ela pensou que tinha – mas, por mais que tentasse, sempre voltava aos mesmos pensamentos em relação às ações que aquela mulher adotava para a própria vida pública e particular, e os compreendia. Andy não conseguia ignorar as lembranças que lhes vinham à mente. Era quase impossível não repassar nas folhas de sua memória tudo que vinha acontecendo desde Paris.

Flashback ON ___________________________________________

"Depois de uma semana distribuindo currículos e fazendo entrevistas em pequenos jornais, Andy conseguiu ser chamada para uma entrevista no New-York Mirror. Sentiu-se ousada por tentar trabalhar na indústria de publicações depois do que fez Miranda passar na semana mais movimentada do ano para a Runway. Miranda era uma das mais influentes editoras do mundo, senão a mais influente, e é claro que ela não deixaria passar uma oportunidade de humilhar a assistente que se achou no direito de abandoná-la. Ninguém abandona Miranda e fica vivo para contar o conto.

Você não vê [em hiatus]Onde histórias criam vida. Descubra agora