Capítulo II - Inevitável

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Todo processo de divórcio é pesaroso. Quando o desgaste toma conta de uma vida a dois, a separação é inevitável. Quando o desgaste toma conta de uma relação sem grandes afinidades emocionais, o divórcio pode ser um problema. Miranda entende bem de casamentos por conveniência, tinha sido assim desde o seu segundo marido, John, e foi assim com Stephen.

Seu primeiro casamento tinha envolvido sentimentos. Além dos sentimentos que Miranda nunca nomeou em voz alta, seu maior presente da relação que teve com Jason foi o nascimento de suas meninas. Caroline e Cassidy eram as únicas pessoas no mundo que podiam ver o outro lado de Miranda, era ao redor delas que Miranda se permitia estar sem armaduras. Ela doava o carinho que podia às suas meninas, eram todo seu alicerce. As gêmeas e a Runway. Poucas pessoas entendiam que o casamento verdadeiro de Miranda era com a revista de moda, foi lá que ela depositou o maior tempo de sua vida e dedicação, para ver seus desejos transformarem-se em arte. Isso lhe rendeu a primeira traição e o primeiro divórcio.

Foram décadas comandando carro chefe da Elias-Clarke, anos e anos como uma visionária, descobrindo designers, fotógrafos, figurinistas, maquiadores e outros editores, até mesmo no mercado de ações ela tinha uma intuição nata. Seus anos de trabalho duro, de desgastes emocionais que nunca permitiu que a abalassem mas que deixava buracos em suas geleiras internas, dos malabarismos que fazia para estar presente para suas meninas e as perdas que foi assistindo no meio do caminho, construíram a apologética imagem da rainha do gelo, dama de ferro ou qualquer termo que o valha que o mundo conhece e que Miranda faz questão que assim permaneça.

Ela construiu sua fortuna da mesma maneira, fazendo conexões, sabendo onde se encaixar, aproveitando-se de "amizades" do meio que pretendia fazer parte e seus sorrisos cheios de escárnio sempre presentes quando tinha que lidar com passatempos cansativos e necessários como os jantares com acionistas na casa de Irv ou reuniões com o ex-marido para tratar de assuntos relacionados às suas meninas.

Eventualmente, todos iam embora, todos saíam.

Ela sabia da reação natural de todos que ficassem próximos à ela por muito tempo, ela sabia que não podia confiar em alguém para permanecer ao seu lado, seja como amigo ou algo mais. Todos se afastavam e quando ela percebia que algum ser humano muito desgarrado poderia gostar dela o mínimo que fosse, sua própria reação natural era o afastamento. Foi assim com Nigel. Ela tentou afastá-lo e dar o que ele mais queria ao indicar seu nome para o negócio com James Holt. Àquela altura, ela o daria a chance de sair ileso, tinha certo apreço por ele por tantos anos trabalhando duro ao seu lado.

Mas então ela percebeu o comportamento de Irv nas reuniões do Conselho da Elias-Clarke, ouviu o burburinho dos corredores do andar administrativo e foi juntando as peças que o CEO ia deixando no ar. O erro de Irv foi deixá-la saber e ela percebeu que ele queria que ela soubesse, ou então estava subestimando a inteligência dela. Há anos Miranda vinha percebendo as tentativas frustradas do CEO de tirá-la do cargo à frente da Runway no intuito de colocar mão de obra barata, e o nome da vez era Jacqueline Follet. Sim, ela tinha expressão significativa na Runway Francesa, mas não era suficiente. Ela nunca seria suficiente. A Runway norte-americana não era uma versão subsidiária, era a principal revista de moda do mundo, a que requer mais gastos, a que mais vende e, consequentemente, a que mais gera lucro. Fruto do trabalho de Miranda.

Jacqueline não tinha o punho de ferro de Miranda, todos sabiam disso, ninguém poderia fazer o que ela fazia. Todos queriam, mas ninguém poderia fazer o que ela faz, ninguém abriria mão de um casamento "bem sucedido" ou mesmo que envolvesse algum sentimento, além das convenções que o meio social submete, ninguém abriria mão de estar ao lado dos filhos (não sendo uma mulher, uma vez que os julgamentos externos são sempre maiores). Não, nenhuma criatura viva faria isso às próprias custas, ninguém colocaria a arte acima da própria vida, acima da própria felicidade.

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