Dizer que o que aconteceu no dia anterior foi inacreditável seria o eufemismo do século. De alguma forma, Andrea não estava tão incrivelmente surpresa. Ou ela ainda não tinha sentido o peso dos acontecimentos recentes. A segunda opção fazia mais sentido. Sabe aqueles períodos em nossas vidas em que vamos apenas vivendo e deixando viver sem parar para pensar muito bem no que a vida entrega? Então, era assim que estava sendo. Por mais que fizesse planos em sua vida profissional, a vida pessoal era um grande ponto de interrogação. Ao que parecia, era assim que continuaria sendo por um longo tempo.
Conversar com Miranda tinha sido mais fácil do que ela imaginou, pelo menos na última conversa que tiveram. Não é que a imagem petrificada da mulher havia sido modificada, ela continuava impecável em seus pensamentos, mas algo no meio do caminho tinha descarrilhado. Assim que acordou, Andrea teve um dia mais do que comum. Passou horas pesquisando sobre as intervenções do governo norte-americano nos conflitos armados no Oriente Médio, iniciou a produção de um artigo sobre os estragos das interferências à própria política externa nacional e como os estados eram afetados pelas questionáveis estratégias dos embaixadores, ainda que gozassem de autonomia em suas políticas e legislações. O dia transcorreu ocupado, porém produtivo. Exatamente do jeito que ela havia aprendido a gostar. Entre uma atividade e outra, arranjava segundos para divagar e lembrar de uma certa mulher de cabelos prateados com quem ela adoraria discutir o objeto de suas pesquisas recentes.
No mesmo dia, à noite, enquanto caminhava de volta pra casa e debatia consigo mesma sobre tomar ou não alguma atitude, ousou mandar uma mensagem de texto para o número que sabia de cór. Nada que fosse invasivo ou petulante.
"Obrigada pelo jantar e pela companhia agradável de ontem. Espero que esteja tudo bem. Boa noite.
Xoxo"
Sentiu-se bastante ousada por não apenas cogitar a ideia, mas executá-la. Não tinha doído. Era só um simples sms. Se admitisse, nem achava que receberia resposta — embora não possa dizer que não gostaria caso recebesse. Para seu desconhecido desapontamento, o celular não deu sinal de que uma resposta estaria vindo. Ela chegou em casa, foi se despindo até chegar ao banheiro. Passou vinte minutos relaxando na banheira recém comprada — "alguns gastos não são apenas gastos, mas investimentos" —, e passaria mais se seu estômago não estivesse reclamando das longas horas sem comer. Hora do jantar. Ou melhor, hora da pizza. Hoje não era um daqueles dias propícios para cozinhar.
Respondeu e-mails, comeu, bebeu o resto de vinho da geladeira e colocou um filme qualquer pra assistir até pegar no sono. Olhou o celular. Nenhuma resposta. "Muito bobo de minha parte esperar uma resposta. O que eu estava pensando? Mas não faz mal. Pelo menos fui sucinta e ela não pode me culpar por divagações." Entre um pensamento e outro, Andrea adormeceu.
O zumbido em suas costas a acordou. Era o celular estava abaixo dela, provavelmente foi parar lá em algum momento enquanto ela cochilava.
Ela viu que tinha recebido uma mensagem. Reparou o horário, era 00:35. Que hora mais oportuna! Miranda deve ter acabado de revisar O Livro.
"Não há razão para agradecer, Andrea. Boa noite."
Tão direta como de costume. Andrea iria empurrar sua sorte pela borda.
"Acordada a essa hora... Insônia?"
Pergunta pessoal demais para essa hora da noite. Isso define bem "empurrar sua sorte para longe. Bem longe".
"Se estou respondendo suas mensagens isso deve significar que estou acordada. Pelo menos é o que qualquer pessoa pensaria."
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Você não vê [em hiatus]
FanfictionNinguém abandona Miranda Priestly e fica vivo para contar o conto. Ninguém. Até Andy. "Faz 6 meses desde Paris e eu não consigo lembrar a última vez que sorri de verdade desde lá. Faz 6 meses que tenho mentido pra mim na esperança de um dia poder...