"Toda vez que olhava pra ela, algo em mim se desfazia e recompunha. Era como se perdesse um pouco da minha sanidade. Era um enigma vivo..."
Andy divagava enquanto olhava nos olhos azul-esverdeados da mulher que transformava seu raciocínio em pó. Não havia pensamento coerente perto de Miranda Priestly, mas Andy tinha certeza que era algo entre intimidação e medo. Não, medo não. Intimidação, com certeza. Fazia um tempo que ela não era mais aquela jovem doce e atrapalhada, quem a rodeava sabia disso, mas não havia nada certeiro quando se tratava de Miranda. Ela estava próxima demais. Miranda estava agora próxima demais. Andrea sempre imaginou que Miranda tinha algum tipo de asco dela, por ser atrapalhada, por gaguejar em sua frente, por aparentar ser uma criança indefesa em sua presença e sem uma razão aparente. A mulher só queria que ela fizesse o seu trabalho, afinal era para isso que ela estava em sua folha de pagamento. Era o trabalho que pagava seu aluguel.
Miranda sempre tinha um sorriso depreciativo ou uma expressão entediada no rosto. Ela com certeza tinha preguiça das tolices de Andrea. Garota tola.
– A repulsa que você sente por mim é tão forte que deixa tudo mais difícil, até uma simples interação? – A mulher olhou-a de maneira indecifrável. – Ou você me detesta por ter te aberto os olhos sobre as maravilhas inexistentes no seu mundinho imaginário?
Olhar para a expressão gélida da editora-chefe e não conseguir decifrar um rastro do que se passava na cabeça dela era desesperador para Andy. Ela precisava desfazer aqueles pensamentos da mulher.
– Por que você se importa, Miranda? – Andrea tentou manter algum fio de sanidade e compostura, embora estivesse difícil diante das reações involuntárias que seu corpo insistia ter.
– Não seja presunçosa. Não é sobre se importar ou não, é um direito que tenho de saber e um dever que você tem de me informar. Nada mais que isso. – Miranda disse e aproximou-se em um passo. – Você me deve isso. Não desculpas, eu não quero desculpas. Já estabelecemos que não são sinceras.
– Se você não se importa porque faz isso tão difícil? Porque faz questão de saber algo sem importância, de alguém sem importância que só foi uma entre milhares de assistentes que você já teve? Tenho certeza de que se eu não tivesse feito uma saída tão dramática você nem lembraria meu nome. Nem se tivesse se vingado logo que sentiu vontade. – Andrea cuspiu as palavras e aproximou-se em mais um passo, seguindo o que a mulher mais velha fizera há poucos instantes.
– Não fale o que você não sabe, garota tola. E porque você se importa se eu lembraria ou não o seu nome quando você foi a primeira a ir embora? – Desafiou-a. – As outras eu demiti, você foi a única que partiu. – A mágoa estava ali. Esconsa, mas ali. Andy sentia rente à sua pele.
– E única a quem você deu uma recomendação... Eu me pergunto porquê. – Andy disse tanto para si própria quanto para a mulher à sua frente.
Miranda fitou-a por alguns instantes, parecia que a máscara inescrutável que vestira até agora estava dando lugar a expressões confusas. Era como se ela mesma estivesse pensando no porquê. A mulher deu duas passadas e parou, estudou a mudança de postura de Andrea, inclinou um pouco a cabeça para o lado como quem tenta decifrar algo para poder dar o próximo bote. Deu mais meia passada, até ficar bem próxima à menina, respirando o mesmo ar. Não deixou-lhe o olhar em momento algum. Parecia querer perfurar-lhe com os olhos.
– E porque você se importa? - Disse Miranda deixando o hálito de álcool soprar a face de Andrea, que parecia ter se perdido completamente nos movimentos dos lábios da mulher. – Diga-me, Andréah, porque você se importa com isso quando deveria estar se importando em me dar a informação que preciso, pra depois desbravar um mundo patético idealizado por você ao lado daquele seu menino cozinheiro? – Miranda falava sobre Nate como quem diz um palavrão, no pior sentido que um palavrão pode ter.
Andy, que já não conseguia pensar claramente embora tentasse miseravelmente manter a compostura e desafiar a editora, tinha seu cérebro em combustão e seu corpo estava indo pelo mesmo caminho. Miranda estava próxima demais. Seu tom de desafio misturado ao escárnio em sua face e, arriscaria dizer, um tanto de raiva nas últimas palavras, resultou em sensações que Andy não estava preparada para sentir. Não conseguia formular três palavras coerentes juntas. Fechou qualquer vácuo que houvesse entre seus corpos. Seus narizes quase roçaram no movimento fugaz. Miranda era um pouco menor que ela, e agora tão perto era como se um degrau na diferença latente entre elas fosse diminuído.
– Nate não tem nada a ver com isso. Nate não tem nada a ver com minha saída da Runway, não tem nada a ver com meu trabalho como jornalista, não tem nada a ver com meus planos, não tem nada a ver comigo. Você já falou nele duas vezes esta noite e me faz crer que sua raiva de mim se estende a ele também. – Andy disse num sussurro, deixando o ar ainda mais pesado. – Não é ele que tem a ver comigo. E, pra sua informação, nem juntos estamos mais. Não que seja da sua conta, embora pareça ser do seu interesse.
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Miranda acompanhava atentamente as palavras de Andrea, assim como acompanhava o abrir e fechar de sua boca, alternando entre os olhares. "O que diabos está acontecendo aqui? Quando essa garota ficou tão petulante? Quando se tornou tão ousada, desafiadora, segura, de lábios perfeitamente esculpidos, olhos amendoados... Mas que diabos! O que estou pensando?" Miranda queria mostrar-lhe o seu devido lugar nessa equação. Queria fazer-lhe entender que o que era tão difícil, na verdade, poderia se tornar ainda mais difícil, bastava que ela mesma quisesse. Ela poderia transformar a vida de Andrea num inferno e, ainda assim, não conseguia. Via muito de si na jovem. E parece que agora havia algo mais, algo que nem ela, expert em decifrar personalidades, conseguia decifrar. Ou conseguia, mas não queria aceitar, talvez pela própria garota não haver aceitado.
– Com o que tudo isso tem a ver então, Andreah? – Ela fazia questão de pronunciar o nome da garota como bem entendia, com o toque francês que o nome merecia. Um nome tão bonito encurtado para um tosco "Andy" não estava em seus pensamentos, e menos ainda sairiam de sua boca. E por falar em boca... – O gato comeu sua língua? – sua voz saiu desconcertantemente baixa.
Seus narizes quase colidindo novamente. Ela sentiu a mão direita de Andrea alcançar a sua e saltou curtamente pelo contato surpresa. Ninguém costumava tocá-la – além de suas filhas, claro. O olhar da menina pedia um consentimento que não veio, mas mesmo assim as pontas de seus dedos subiam vagarosamente pelo braço de Miranda, tão leve quanto pluma e nem parecia ser real se os seus pêlos não estivessem eriçados. As respirações estavam tão pesadas que estava difícil respirar fundo, mesmo que estivessem ao ar livre. E quando Andrea seguia o ímã que parecia puxá-la em direção à mulher à sua frente e movimentou-se imperceptíveis centímetros para sentir o hálito quente ainda mais perto – quem sabe descansar aqueles volumosos lábios nos seus – elas ouviram alguém se pronunciando à procura de...
– Six? Você está aqui? – Era Nigel. Que timing!
Andrea saltou para trás numa velocidade que parecia que a pele de Miranda tinha algum tipo de tóxico. Ou fora só seu medo de ser pega tão perto dela mesmo. Whatever.
– S... sim, Nig! Estou aqui. – Ela conseguiu falar num tom seguro, olhando entre Miranda e a porta. Miranda ainda tinha um olhar inescrutável, mas deu-lhe uma última olhada, daquelas que não havera dado a qualquer outra pessoa de quem se tenha lembrança, antes de Nigel finalmente as enxergar. A mulher mais velha nem esperou que dissessem mais nada e logo disparou ordens.
– Nigel, que momento excelente pra você ter aparecido! – diz, com uma empolgação que ele podia jurar ser falsa – Estarei me dirigindo até a saída e espero encontrar Roy à minha espera quando eu chegar lá fora.
Miranda se retira do local deixando uma Andrea extasiada e impressionada por ela ter recuperado a compostura tão rapidamente, e um Nigel apavorado já enviando um sms para o motorista fiel.
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Você não vê [em hiatus]
FanfictionNinguém abandona Miranda Priestly e fica vivo para contar o conto. Ninguém. Até Andy. "Faz 6 meses desde Paris e eu não consigo lembrar a última vez que sorri de verdade desde lá. Faz 6 meses que tenho mentido pra mim na esperança de um dia poder...