Einne acordou de manhã com a sua mãe a lhe balançar em desespero, gritando por socorro, intercalando gritos para que o marido viesse prestar-lhe auxílio. A menina tentou se levantar, para mostrar para a mãe que estava bem, mas o corpo jazia inerte, pesado. Rejane tomou com rispidez o telefone das mãos de Bernardo, quando alguém atendeu do outro lado. A menina aleijada percebeu a cara de zanga do padrasto, pois para ele, a sua mãe bancava a desesperada à-toa.
— Ela tá pálida, suando frio! Quase não dá pra sentir o pulso dela! Sim, sim... a respiração dela tá muito lenta... vocês têm que vir logo!
— Minha boneca... cadê ela? — sussurrou Einne.
— Joguei aquela coisa no lixo! Não é pra tanto que está assim! Eu encontrei você dormindo com esta maldita boneca no pescoço.
— Rejane, pelo amor dos céus! Raciocina por um momento! Uma boneca não pode asfixiar ninguém. — falou Bernardo irritado, por sua esposa insistir que todos os males que recaiam sobre a menina estariam ligados a uma boneca encardida.
— Devolve... minha boneca... — Einne esforçou-se para falar. — Preciso dela...
— A Einne deve ter ficado sem ar porque dormiu de mau jeito, é só isso. Agora, devolve aquela porcaria pra mimada da sua filha, e me deixe ir trabalhar... — disse Bernardo impaciente.
— Agora, ela é a minha filha! — queixou-se Rejane, antes de soltar um bombardeio de reclamações conjugais na cabeça de Bernardo.
A cadeirante preferiu voltar a cochilar e a fechar sua mente, enquanto a mãe desferia uma saraivada de reivindicações em cima do marido sobre as obrigações de um padrasto quanto aos cuidados dos filhos que sua mulher tivera com outros homens. Agora era a vez de Bernardo fazer suas exigências, que sempre envolviam: os gastos de Rejane e como ela perdia tempo falando mal dos outros nas redes sociais, maldizendo as pessoas com quem trabalhava, inclusive o fato da empregada doméstica estar processando-os. Era nítido para Einne que seu padrasto pouco se importava com sua situação. A menina se permitiu um sorriso ao se lembrar do fato. A empregada do casal pediu demissão com medo da boneca de Einne. O que reforçava a tese de Rejane ao dizer que havia uma assombração dentro daquele brinquedo. Einne havia flagrado a empregada tirando fotos provocantes para o namorado, justo no horário de trabalho. Einne apenas deixou sua boneca com a empregada.
Até hoje ninguém sabia explicar como o cabelo daquela mulher havia pegado fogo. Contudo, a menina cadeirante estava exausta demais para ficar ouvindo a discussão de sua mãe com o padrasto pela milésima vez. Era como se tivesse corrido uma maratona debaixo d'água e, só agora havia parado para respirar. Fingiu dormir e pegou no sono de verdade, devido ao cansaço mental.
Sonhou com uma época de felicidade, em que frequentava a igreja todos os domingos de manhã assiduamente, apenas para ver aquele rapaz, dez anos mais velho que ela. Era um sonho encantado toda vez que o rapaz parava de fazer alguma coisa só para lhe dar atenção, sempre disposto a ajudá-la com a cadeira de rodas e lhe dizer gracejos ao pé do ouvido.
Todos que viam a atitude daquele jovem pensavam que ele fazia aquilo por pena da menina, porém, Einne via muito mais do que isso nos olhos dele. Havia certo magnetismo entre os dois. Einne passou a querer ficar perto dele sempre que podia. Uma paixão nasceu dentro dela de forma arrebatadora. Mas, para o desgosto de Einne nunca houve momentos de namoro. Não que eles não quisessem, mas parecia haver uma barreira mística entre eles, certamente criada pela religião e sociedade. Einne se martirizava por não ter nascido na idade média, em que era permitido o casamento de meninas novas com homens mais velhos.
Sabia que ele não se importava com o fato de que sua futura noiva não podia andar. Ela o amava ainda mais por conta disso. Nunca esqueceu o primeiro presente que ganhou dele. A boneca e o caderno-diário. Não era só isso: ele prometeu que iria esperar por ela, até que estivesse pronta. Então, tudo na vida de Einne ficou mágico após o presente!
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O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - PARTE I : A CRIANÇA
Fantasy" - Deixa sussurrar um segredinho no teu ouvido: as pessoas que eu mato, não vão para o céu." Primeiro volume da Doulogia: O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - Parte I: A Criança. O escritor Rodrigo Rassoul nos apresenta uma literatura frenética e brutal...