— De que sacrilégio o senhor estava falando ao telefone? — quis saber a bruxa. Ela contemplou os velhos olhos cansados emitirem um brilho lacrimoso que a fez estremecer. Após alguns minutos, Heládio se desfez do choque para falar:
— Kathleen. Acabaram de me ligar do cemitério, dizendo que o corpo da minha neta foi... Roubado!
— Santo Cristo! — as palavras saltaram da boca de Leila.
A Bruxa da Noite teve aquela sensação de desconforto sob a pele, ao recordar do sonho-premonição. O pastor Heládio jogou-se no sofá esfregando a mão no peito, sentindo-se mal. Leila saiu apressada para buscar os remédios dele. O idoso apertou com firmeza a mão de Kathleen. Ela pôde sentir a fragilidade das mãos envelhecidas dele. Seus olhares se encontraram e a bruxa viu o brilho triste naqueles olhos passivos.
— Fique aqui descansando. Eu trarei o corpo de Samyra de volta. — disse Kathleen com firmeza, fazendo com que o velho pastor descansasse melhor ao reclinar as costas na poltrona.
Ela saiu sem dizer mais nada, mas, ao invés de rumar para fora da casa, foi em direção ao quarto de Samyra, subindo os degraus de madeira envernizada, mal tocando o corrimão liso de tamanha pressa. Leila subiu logo atrás dela para saber o que a sua visitante iria fazer. Assim que Kathleen chegou ao quarto de Samyra, a empregada doméstica veio em seu encalço, cheia de questionamentos. A bruxa olhou bem nos olhos preocupados dela e disse com um sorriso amistoso.
— Pode ficar tranquila. Eu vou cuidar disso. Fique aqui com Heládio. A sua presença tem lhe feito bem, e eu não vim aqui para julgar você, Leila. — a garota ficou estarrecida, com o rosto ruborizado, com aquela expressão de "Nossa, como ela sabe?".
Pelo visto, Kathleen já havia percebido o que se passava entre patrão e empregada. Ela fechou a porta do quarto dando a Leila a desculpa de que ia se trocar. Não queria evocar magia na presença de pessoas comuns, pois elas se chocavam facilmente. Ao estar sozinha dentro do quarto, a bruxa se dirigiu até o pórtico da sacada e recitou:
— ÍSIS, Anjo Divino Protetora dos Mortos e da Natureza, abra o caminho da magia natural: Oçapse od oãsserpus ad latrop!
Na sua mão se formou uma vassoura de bruxa, em que ela se sentou como quem senta num corrimão. A vassoura flutuou e disparou com sua dona para um portal constituído em frente a sacada. O que levaria meia hora para chegar ao cemitério, levou apenas quatro minutos.
O zelador do cemitério, que havia ligado ao pastor Heládio, até se assustou quando viu a moça examinando o túmulo aberto. A bruxa explicou ao zelador que estava ali a pedido do pastor Heládio; dando a desculpa de ser a pessoa mais próxima ao cemitério. Quanto ao pastor, ela justificou ao zelador que ele não estava se sentido bem.
Kathleen examinou a terra revirada. Parecia ter sido escavada com pás. O caixão estava aberto grosseiramente. Ele havia sido rachado nas extremidades, denotando certa violência na retirada do corpo. Não havia indício que a pessoa usou magia. "Quem era o desgraçado que havia feito aquilo? Seja quem for, irá pagar muito caro por isso!". Não foi difícil para a Bruxa da Noite adquirir a liberdade para verificar todo o cemitério, desde que voltasse mais vezes para ver o zelador. Assim ele insistiu. Ela desacreditou que estava levando uma cantada de um velho decrépito de dentes careados e bigode amarelo nas pontas.
Após vasculhar o local inteiro, Kathleen viu que o dia já estava amanhecendo e, só então, se deu conta de que não teria tempo para descansar, se quisesse enfrentar o seu primeiro dia de trabalho às 8 horas da manhã. Abandonou as buscas, decidindo retomá-las na noite seguinte.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - PARTE I : A CRIANÇA
Fantasy" - Deixa sussurrar um segredinho no teu ouvido: as pessoas que eu mato, não vão para o céu." Primeiro volume da Doulogia: O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - Parte I: A Criança. O escritor Rodrigo Rassoul nos apresenta uma literatura frenética e brutal...