Ao perceber o exagero do grito, ela procurou rapidamente corrigir a situação.
— Eu... Eu... Eu... não quero mais essa boneca! Minha mãe prometeu uma nova!
— Aí, graças a Deus, esse dia chegou! — arfou Rejane juntado as palmas das mãos em agradecimento aos céus.
Einne baixou a cabeça com vergonha das babaquices que a mãe dizia na frente de uma estranha. Para o seu alívio, a bruxa retrocedeu e voltou para perto dela. Kathleen entrar em seu quarto, ver os símbolos rabiscados no chão e no guarda-roupa, era muito ruim, mas, o pior mesmo era saber que sua boneca existia junto com o diário. Este, sim, era o evento que decretaria o fim da existência da menina cadeirante!
— Bem, eu não tenho uma boneca para te oferecer... — disse Kathleen tirando algo do bolso. — Mas, eu quero que fique com isto.
Era um chaveirinho de ursinho de pelúcia que a beldade dos cabelos vermelhos colocou em suas mãos. O sorriso amistoso da bruxa traduzia um "gosto de você, quero ser sua amiga!". Einne irritou-se ainda mais. Pensou em dizer para ela "Sua falsa! Como eu te odeio! Se minha mãe soubesse que você é uma bruxa, te queimaria na fogueira! E se eu tivesse minhas pernas boas, pisaria no teu cadáver, dando risada!".
Imaginou a bruxa de cabelos vermelhos engolindo aquele maldito presentinho. Muito embora, foi Einne quem teve que engolir todo o seu ressentimento e, ainda, soltar um formal e forçado:
— Obrigada.
E antes que a bruxa continuasse a alisar carinhosamente os seus cabelos e perguntasse se gostou do presentinho, ouviu-se Bernardo convocar, aos berros, o início do culto. A menina respirou antes que perdesse a pouca paciência e mandasse Kathleen e Bernardo para aquele lugar.
Einne detestava escândalos, mas detestou ainda mais quando Kathleen se prontificou a empurrar a sua cadeira de rodas. A cadeirante sentia que a atenção carinhosa despejada por Kathleen, para com a sua pessoa, certamente lhe desenvolveria um tumor maligno, justamente por saber que estava se locomovendo com a ajuda da pessoa que mais odiava. Isso sim, era o pior dos infernos!
Logo veio o pastor Heládio e lhe deu um beijo na bochecha, alisou sua cabeça com a palma da mão de modo afetuoso e rápido. Einne repudiou aquela mão enrugada, aquela baba em sua bochecha, limpando-se depressa, sem nenhum pudor.
Estava presente no culto a empregada de Heládio, a quem a mãe de Einne havia denominado como a "Biscate do pastor", que estava conversando com um rapaz, de físico alto e magro, que tinha cabelos encaracolados, chamado Théo, e que também trabalhava sob as ordens de Rejane, que gentilmente o apelidava pelas costas de "Lesmão-bobão".
Havia outras pessoas da igreja, a quem a sua mãe considerava uns pedintes. Esses eram tão sem importância que Einne nem fazia questão de lembrar seus nomes. A menina observou que Théo ficava bobo quando Kathleen passava. Também ficou surpresa com a amizade entre a bruxa e o pastor. Até mesmo a biscate da Leila dava impressão de querer ser amiga da bruxa. Logo Einne percebeu também que o seu padrasto se embrenhou a conquistar a moça dos cabelos vermelhos, tecendo comentários de duplo sentido malicioso. Enfim, tudo girava em torno de Kathleen. Todos a adoravam! Aquilo deixou a cadeirante ainda mais enojada e revoltada. Agora sabia como era o inferno!
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O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - PARTE I : A CRIANÇA
Fantasia" - Deixa sussurrar um segredinho no teu ouvido: as pessoas que eu mato, não vão para o céu." Primeiro volume da Doulogia: O SOBRETUDO VERMELHO AFOGADO - Parte I: A Criança. O escritor Rodrigo Rassoul nos apresenta uma literatura frenética e brutal...