❤ Capítulo 2

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O sinal toca, avisando que o fim da aula chegou

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O sinal toca, avisando que o fim da aula chegou. Estico um pouco meu corpo na cadeira, estralando os dedos, cansados de tanto estudar, no alto da cabeça. Respiro fundo, tentando renovar as energias para o segundo turno, e aproveito para refazer meu rabo de cavalo.

— Anda logo, Joana. Ainda nem guardou suas coisas?

Olho para Pedro, sem nenhuma pressa, e sorrio da sua carranca. Ele sempre fica bravo com minha calma para fazer as coisas. Coloco a mochila no vão das pernas e guardo o caderno e os livros.

— Meu Deus, é só jogar aí e pronto. Temos que almoçar e ir trabalhar ainda, esqueceu?

— Calma, eu já estou indo — aviso, ignorando sua voz alterada.

Pedro revira os olhos e segue para a porta da sala. Encosta no batente e coloca as mãos no bolso da calça jeans rasgada nos joelhos. A manga do uniforme está dobrada, deixando à vista algumas tatuagens que ele fez no braço este ano. Meu amigo está parecendo um bad boy. Encara-me com as sobrancelhas juntas — um alerta silencioso para apressar as coisas.

Finjo que não estou vendo.

Pego meu moletom, depositado nas costas da cadeira, dobro e também guardo na mochila. Separo o lápis, a borracha, a caneta e o corretivo na mesa e arrumo um por um no estojo. De cabeça baixa, ouço Pedro bufar.

Repreendo a vontade de gargalhar e fecho o zíper da mochila, jogando-a nas costas. Estamos mesmo atrasados.

— Você faz pra me irritar, , pode falar? — ele resmunga, quando me aproximo da porta.

— Só um pouco. Você fica bonitinho com cara de bravo. — Bato no seu braço e entrelaço sua cintura. Pedro coloca as mãos nos meus ombros e caminhamos, sorrindo, em direção à saída da escola.

Desde os oito anos, quando o conheci no sinal perto de casa, somos grandes amigos. Pedro sempre fala que eu o ajudei a ser uma pessoa melhor, que deixou a timidez de lado quando me conheceu, mas na verdade, quem tem que agradecer por tê-lo na vida sou eu.

Eu pensei que nunca mais fosse voltar a sorrir quando papai morreu e minha mãe me abandonou. Ele era uma pessoa humilde, um jardineiro apaixonado pela vida e pelas flores. Eu me sentia a garotinha mais feliz do mundo quando brincava comigo, contava histórias, me ensinava a plantar.

Então ele se foi e não tive mais nada disso.

Toco o cordão com o vidrinho de lavanda que ele me deu, a saudade apertando meu peito. Não tiro do pescoço por nada. Continua sendo um ótimo remédio para quando estou nervosa ou com medo.

No começo, achei que vir morar aqui era passageiro, só até ela melhorar da tristeza por sua partida. Contudo, já se foram dois, três, sete anos e nada. Mal recebo um telefonema no dia do meu aniversário. Posso contar nos dedos quantas vezes minha mãe veio me visitar.

Eu amo a vovó, mas sua saúde debilitada impossibilitou que ela cuidasse de mim direito. Passo meus dias mais com Pedro do que com ela. Sempre estudamos na mesma classe, desde que nos conhecemos.

Na infância, depois que ele terminava de vender as balas no sinal, dava uma passadinha para me ver. Às vezes eu ia lá também ajudá-lo escondido do seu pai. Hoje em dia eu trabalho como babá no período da tarde, e ele na transportadora da sua família, até umas nove da noite. Antes de ir para casa, ele continua com o costume de me visitar. Fazemos algum dever, ou apenas batemos papo à toa mesmo.

Ele é a minha pessoa preferida na vida.

Seca minhas lágrimas quando a saudade bate e é responsável pelos meus melhores sorrisos.

— Senta logo aqui na magrela, vai. Já estou 15 minutos atrasado, graças a sua lerdeza.

— Para de ser bebê chorão, Pedro — brinco, passando pelo seu braço aberto e sento no cano da bicicleta. — Vai dar tempo.

— Você diz isso porque não tem um chefe como o meu. — Ele bufa atrás de mim, jogando fios do meu cabelo para frente.

Não resisto em sorrir mais uma vez. Quando estou com Pedro, o que mais faço é deixar os dentes à mostra.

— Antes trabalhar com seu pai, do que aguentar um bebê chorando de cólica a tarde toda.

Sinto a cabeça dele balançar, em descrença, mas Pedro não diz mais nada. Ele nunca fala muito sobre o pai. Nem dele nem do irmão mais velho. Já tentei fazer se abrir comigo, no entanto, é um caminho para brigas.

E odeio brigar com Pedro.

É notório que, desde criança, não se dá bem com o pai. Ele é um pouco bravo, confesso, mas queria saber o que mais há entre eles.

— Se segura aí, que vou dar o gás — avisa e acelera o pedal entre os carros.

Estudamos perto da minha casa. Todos os dias Pedro me dá carona na sua bicicleta, vulgo magrela, na ida e na volta. A dele fica um pouco mais longe, há doze quadras daqui.

Estico os braços e deixo o vento bater no meu rosto. Hoje está mais frio e eu amo essa temperatura amena. Assim que fecho os olhos, o maldito começa a zigue-zaguear só para me fazer perder o equilíbrio.

— Depois sou que eu gosto de provocar, ? — Viro de lado e tento deixar um soco no seu estômago. Pedro se esquiva e dá uma risadinha com o canto dos lábios.

— Você que começou.

Nossa amizade é sempre assim. Pura provocação, mas um não sabe viver sem o outro.

Eu, pelo menos, não consigo mais imaginar minha vida sem ele.

Quando chegamos na calçada de casa, eu salto do cano e deixo um beijo estralado na sua bochecha.

— Não esquece de passar aqui mais tarde, pra fazer o trabalho de geografia. Você está enrolando há duas semanas e precisamos entregar depois de amanhã.

bom, Joana — Pedro responde, arrastado, sem ânimo. Ele odeia geografia.

— Se puder, traz um lanche do Sem miséria, na hora que estiver vindo. — Faço uma careta, trocando a mochila de ombro. Estes livros são muito pesados.

— Você é a personificação da cara de pau. Não quer fazer trabalho merda nenhuma, quer é um "bicicletaboy" para trazer comida. Só porque o trailer fica ao lado da transportadora.

Gargalho do seu neologismo e caminho até o portão de casa.

— Por favorzinho! — Junto as mãos na altura do peito, fechando os olhos.

Minha encenação é interrompida com o barulho do celular de Pedro. Ele olha na tela e fecha a cara na hora.

— Preciso ir, é meu pai.

— Enrascado?

— Com ele, sempre.

Jogo um beijo no ar e aceno para seu vulto que já está quase virando a esquina.

— Não esquece o lanche! — grito.

bom, cara de pau.

Ahhh... eu amo esse garoto. 

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