Me joguei em minha cama com um suspiro de alívio, era bom estar de volta em casa finalmente depois de 26 horas em um hospital. Apesar de terem me dito que seria liberado de manhã, o oncologista achou que seria uma boa ideia fazer alguns exames para ver como meu caso estava evoluindo. Passei a maior parte da segunda sendo cutucado e o barulho irritante da máquina de ressonância não ia sair da minha cabeça tão cedo. Não sei o que exatamente o cara disse à minha família mas Zach e minha mãe não pareciam felizes então acho que não deve ter sido bom.
- Pare de olhar para minha bunda, Zach - Eu disse com os olhos fechados e a testa ainda apoiada em meu travesseiro.
- Eu não estava olhando para sua bunda - Veio o protesto atrás de mim
- Não há razão para disfarçar garoto, minha bunda é sexy, eu sei disso.
Mudei de posição ficando com as costas contra o colchão. Olhei para Zach que estava parado em minha frente com o rosto corado de vergonha. Não pude evitar o riso quando vi sua expressão, era tão fácil mexer com ele. Eu ia sentir falta disso.
- Papai ligou - Ele disse recuperando a compostura.
- Hum - Foi tudo o que disse, o que mais eu poderia dizer? O cara nem sequer tinha falado comigo no hospital, todas as vezes que entrou no quarto eu estava dormindo. Mesmo sabendo que parte disso era por ele se sentir culpado não tornava as coisas melhores. Afinal quando o fim chegasse só iria acrescentar mais culpa a que ele já carregava. Que bem isso poderia fazer?
- Ele queria saber como você estava - Continuou Zach, soltei outro grunhido apenas para mostrar que havia ouvido - Eu disse que ele devia parar de ser um idiota e perguntar diretamente a você.
Essa afirmação me fez erguer as sobrancelhas, não era como se eu não tivesse visto a tensão que sempre existia entre Zach e meu pai, mas ele nunca havia respondido ao homem de maneira desrespeitosa.
- Você não precisava fazer isso - Eu disse
- Mas eu quis - Meu irmão deu de ombros, ele se aproximou e sentou nos pés de minha cama - Eu sei que você está com raiva - Abri a boca para negar mas fui interrompido - Não precisa negar, eu ficaria se estivesse no seu lugar, droga, eu estou com raiva mesmo não estando no seu lugar.
- Não é raiva... É só... - Eu não sabia explicar exatamente o que eu estava sentindo. Sacudi a cabeça para limpar um pouco a mistura de pensamentos - O que ele disse?
- Hum... Ele realmente não teve tempo de responder. Eu estava meio que gritando. Mamãe ouviu, me olhou com uma expressão que me fez sentir ter cinco anos de novo e me fez entregar o telefone.
Não pude evitar rir quando as imagens de minha mãe com o olhar "Eu vou lavar sua boca com sabão" e Zach com a expressão de um garoto de cinco anos que falou palavrão sem querer, se formaram em minha mente.
- Então - Disse tentando controlar o riso - Você está encrencado?
- Não tanto quanto o papai - Foi a vez de Zach rir - Ela ainda deve estar gritando com ele, eu realmente não imaginava que mamãe tivesse um vocabulário tão... Peculiar
Nós dois voltamos a rir, por um momento era quase como se estivéssemos de volta aos velhos tempos. É estranho pensar que os velhos tempos foram a menos de dois anos porque parecia que esse inferno durava a muito mais tempo.
Parei de rir quando senti um líquido quente em meu jeans, senti meu rosto corar, meu primeiro reflexo foi cruzar as pernas para esconder a mancha, a última coisa que eu queria era que meu irmão me visse fazer xixi nas calças. Para minha sorte ele não estava olhando para mim no momento. Soltei um bocejo fingido e voltei a me virar de bruços apertando meu rosto contra o travesseiro.
- Cara, eu tô morto - Mesmo não olhando na direção, podia quase sentir a tensão tomando conta do meu irmão com a escolha de palavras. Droga - Eu poderia dormir por três dias - Tentei amenizar. A verdade era que eu podia dormir por seis meses e ainda acordaria cansado.
- Vou deixar você descansar - Ele deu um tapa fraco na minha perna antes de se levantar - Grite se precisar de alguma coisa - Sua voz estava mais afastada.
- Claro, Jarbas - Disse alto o suficiente para ele ouvir - Vou balançar meu sininho quando estiver na hora do chá.
- Vai se foder, Will - Apesar do insulto eu conseguia ouvir o humor em sua voz
- Você tem que parar de projetar seus desejos em mim, cara, isso não é saudável.
- Idiota - Ainda deitado de bruços ergui o dedo médio para trás como resposta ao insulto.
Ouvi Zach rir e em seguida o barulho da porta se fechando. Esperei algum tempo para ter certeza de que ele não iria voltar e me levantei. Eu não estava mentindo sobre estar cansado. Eu realmente me sentia um lixo, meus olhos estavam quase se fechando e como bônus, me sentia tonto.
Me apoiando no guarda roupa, peguei um jeans e uma cueca para trocar. Voltei para cama e me sentei, sabia que se tentasse me trocar em pé, iria cair. Quando terminei de me vestir, joguei a roupa molhada debaixo da cama, sair do quarto para o banheiro quando disse que ia dormir poderia levantar suspeitas.
Me joguei de bruços na cama novamente. Eu me sentia, completamente, indescritivelmente e muitos outros "mentes", horrível. Minha cabeça doía como um inferno, bem, o resto do corpo também, mas enquanto a dor do corpo era uma dor cansada, a da cabeça era algo como eu imaginava que os personagens de desenhos sentiam quando viam estrelas.
Meu corpo estava se deteriorando, bem, isso é óbvio. Senhor Finnigan, nosso vizinho de setenta e cinco anos poderia me passar tranquilamente em uma caminhada, andando de costas.
Ok, talvez isso seja um pouco de exagero, mas acho engraçada a ideia de vê-lo andar de costas, olhando pra mim e perguntando com aquela voz esganiçada "Isso é tudo que tem, garoto? Na sua idade eu fui até a fronteira dos Estados Unidos a pé, e depois voltei todo o caminho porque não me deixaram entrar".
O fato é que isso ainda vai ficar pior antes de terminar, embora não queira admitir, provavelmente terei que usar fraldas, vou estar cansado demais mesmo para ficar em pé e vou ter que passar o dia todo chapado de morfina quando a dor for demais.
Eu não havia percebido que havia voltado a chorar quando os pensamentos de que em pouco tempo a pequena parte restante do que me fazia ser eu, seria apagada. Pensei sobre o Show do Metallica em São Francisco. Tão perto e ainda tão distante.
Com minha mente vagando entre a consciência e o sono, decidi, naquele momento que chegaria ao show de qualquer maneira, e por mais clichê que fosse a frase "Nem que seja a última coisa que eu faça" passou por minha cabeça também. Porque se eu fosse escolher entre um ano deitado em uma cama como um boneco de trapos e cinco minutos realizando um sonho, nunca poderia pegar a primeira opção.
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O Último Show Da Minha Vida (Em Pausa)
Teen FictionWill sempre sonhou em ir a um show de rock, mas viu todas as esperanças de realizar seu sonho se esvairem ao descobrir que está em estágio terminal de uma doença. Quando o Show da banda favorita do rapaz é anunciado no estado vizinho, Zach - seu ir...