Capítulo 11- Carter

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Fazia cerca de meia hora que eu havia aberto minha loja de penhores quando a porta da frente se abriu e um rapaz entrou, ele usava um jeans azul e uma camisa desalinhada e estava ofegante como se tivesse corrido uma maratona.

- Senhor Carter, me desculpe pelo atraso - Ele começou a falar rapidamente assim que me viu - Eu acordei tarde e... Eu sei que isso não é desculpa mas...

- Parker - Eu disse tentando parar o discurso desenfreado que corria pela boca do jovem

- Eu sei, eu faltei ontem também... Mas Will... Eu sei que não devia misturar o pessoal com o profissional mas... Por favor não me demita.

- Parker, eu não pretendia te demitir mas se não se calar agora posso repensar sobre isso.

O rapaz parou de falar imediatamente, não sei dizer se pelo medo de minha ameaça ou pela surpresa de que eu não pretendia demití-lo. Eu sei que tenho essa imagem de velho ranzinza e já ouvi diversos boatos a respeito de como trato o garoto, dizendo que "Zachariah é mais um escravo que um empregado", isso nunca me afetou porque em um mundo em que os jovens estão cada vez mais afundados em drogas, álcool e na marginalidade, um pouco de disciplina é necessária.

Há alguns meses atrás eu não exitaria em demití-lo por negligência ao se atrasar para o trabalho ou pular um dia sem atestado médico. Nada pessoal, apenas sou da opinião que os garotos de hoje em dia precisam saber que nada na vida é fácil. Há dois meses, eu descobri que Zachariah Parker já sabia disso.

- Vamos, Parker- disse olhando para o garoto na minha frente e batendo palmas para apressá-lo- tem uma pilha de coisas que chegaram ontem para catalogar.

Zachariah finalmente pareceu escapar de qualquer que fosse o pensamento que o estivesse prendendo na própria mente e se moveu rapidamente para o fundo da loja para começar a trabalhar.

Me sentei atrás do balcão esperando clientes que talvez nunca viessem enquanto ouvia os barulhos de objetos sendo movidos na sala de trás. Tenho que admitir que o garoto Parker era realmente um bom empregado. Eu não conseguia imaginar nenhum outro garoto desviando a mente de sua própria miséria o tempo suficiente para um turno de seis horas, sem choramingar ou pedir para sair mais cedo todos os dias.

Era por volta do meio dia quando finalmente saí de trás do balcão para almoçar. Nenhum cliente havia aparecido ainda, o que não era incomum, principalmente numa terça feira. Fui para o fundo da loja e dei um aviso a Zachariah de que iria subir para meu apartamento no andar de cima. Ele acenou com a cabeça, mas a forma que evitou me olhar dizia que devia ter chorado ou talvez ainda estivesse.

Subi as escadas para minha casa, bem, o lugar não era exatamente uma casa, apenas um quarto pequeno e uma cozinha ainda menor. Não é confortável, não como a casa grande que eu tenho na rua de baixo, com seus sete quartos, grande quintal, jardim e piscina. Não, nem perto disso. Mas ainda assim eu prefiro o quarto apertado e escuro em que tenho vivido pelos últimos 10 anos que a casa em que eu perdi toda a minha família.

O pensamento amargo me tirou o apetite, ainda assim preparei um sanduíche para mim e outro para Zachariah. Não era algo que costumava fazer, normalmente apenas dava ao garoto 15 minutos para comprar algo na padaria da esquina. Realmente não sabia porque estava fazendo isso dessa vez. Apenas senti que precisava por algum motivo.

Quando desci, já mordiscando meu sanduíche com desânimo vi o garoto terminando de arrumar as últimas peças que havia catalogado na prateleira antes de voltar para a mesa para registrar mais alguns objetos. Coloquei o prato com o lanche que havia arrumado para ele na sua frente.

Parker olhou para o prato e depois para mim com um olhar que seria cômico se seus olhos não estivessem vermelhos e inchados. Soltei um suspiro exasperado antes de puxar uma cadeira e me sentar a uma pequena distância da mesa onde ele estava.

- Coma, Parker, não preciso de um empregado doente.

Isso provavelmente não foi a coisa mais gentil a se dizer mas pareceu funcionar quando o rapaz pegou o sanduíche e mordeu.

- Hum... Obrigado - ele disse e eu apenas assenti com a cabeça mastigando meu próprio almoço. Ficamos em silêncio por vários minutos até que finalmente voltei a falar - Não foi minha esposa.

Parker olhou para mim dividido entre a confusão e a surpresa, eu me sentia surpreso também. Nunca pensei que estaria dizendo isso a alguém, sobretudo, não a um garoto magricela de 22 anos.

- Você já deve ter ouvido os boatos de que minha esposa morreu de câncer - Expliquei e ele concordou com a cabeça parecendo envergonhado - Bem... Ela não. Minha esposa cometeu suicídio...

- Eu... - Começou Parker parecendo incerto do que ia dizer.

- Minha filha tinha um problema no coração - Eu continuei não deixando que ele concluísse a frase - Eu sabia que Julia ia morrer desde que tinha três anos, mas isso não tornou mais fácil. Ela se foi com sete - Não havia percebido que comecei a chorar até senti uma lágrima correr por meu rosto. - Não foi fácil para mim, mas para a minha esposa foi o fim do mundo. Ela entrou em depressão, não é de se admirar que as pessoas pensassem que ela estava doente, perda de peso, palidez, queda de cabelo...

- Senhor Carter...

- Eu não sei porque estou te dizendo isso, garoto. Eu nunca disse a ninguém... As pessoas assumiram que fosse câncer e eu deixei. A maioria das pessoas nem imagina que já tive uma filha, que me mudei para a rua de baixo apenas para realizar o sonho de Julia de morar em uma casa com piscina e um jardim...

- Valeu a pena? - Perguntou o rapaz depois de alguns momentos de silêncio.

- O que? - Disse sem entender a pergunta

- Valeu a pena a mudança e tudo mais? Mesmo que a viagem não fosse boa para ela? - Ele estava sussurrando agora, quase como se tivesse medo de dizer as palavras seguintes - Mesmo que isso possa ter diminuído seu tempo de vida?

Por um momento pensei sobre isso. Me lembrei do médico falando sobre os riscos de uma viagem tão longa para uma criança tão doente. Me lembrei das diversas discussões que tive com minha esposa antes da mudança e de todas as vezes que ela me culpou depois da morte de nossa filha. E então eu lembrei do riso de Julia da primeira vez que a levei para a piscina, do jeito que ela perguntava a "marca" de cada flor do jardim e dava nomes de desenhos infantis a todos os insetos. Eu nunca vira minha garotinha tão feliz como naqueles últimos meses.

- Sim, - respondi por fim - Valeu a pena.

Eu me levantei e peguei o prato que ainda estava sobre a mesa para levá-lo de volta à cozinha. Passei o braço sobre o olho para apagar os vestígios de lágrimas.

- Senhor Carter? - Olhei para Parker, ele tinha a expressão mais desamparada que já havia visto em seu rosto, mas por algum motivo estava sorrindo - Obrigado.

Acenei com a cabeça para o agradecimento antes de subir as escadas. Por algum motivo, achava que não era apenas o sanduíche que ele estava agradecendo.

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