Capitulo 01 - Will

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Ouvi o barulho da porta de meu quarto abrindo e fechei os olhos, me esforçando para desacelerar a respiração e parecer que estava dormindo. Eu não queria ver o olhar triste de minha mãe tão cedo. De olhos fechados pelo menos podia fingir que não sabia que ela estava chorando.

— Ei, Will, – Abri os olhos para ver Zach, meu irmão mais velho, se aproximar de minha cama.

— Como você sabia que eu não estava dormindo? – Perguntei, me sentando com um pouco de dificuldade.

— Eu te conheço, maninho – Ele sorriu. Não era seu sorriso de antigamente, o de nenhum de nós era. Não depois que descobrimos sobre essa doença, não depois que descobrimos que eu iria morrer. – E então, vai ficar na cama o dia todo?

— Mamãe...? – Eu perguntei um tanto tímido. Não queria que parecesse que estava fugindo dela, mas no final das contas era exatamente o que estava fazendo. Eu não suportava ver a dor nos olhos dela. Meu pai e meu irmão pelo menos aprenderam a disfarçar, apesar de, atualmente, meu pai parecer dez anos mais velho que seus trinta e nove e Zach, pelo menos sete anos mais novo que seus vinte e dois.

— Ela está dormindo na biblioteca – Zach respondeu enquanto abria as cortinas, deixando o sol invadir meu quarto. Suspirei com a informação, minha mãe ainda não havia passado da fase de negação, continuava a procurar curas médicas e milagres e... sei lá mais o que.

Me levantei da cama e calcei minhas pantufas de Batman. Por mais infantil que fosse para alguém de dezenove anos, me sentia bem com elas. Além disso, não era como se alguém fosse me ver com elas, já que eu mal conseguia atravessar o quintal sem me sentir um cansaço extremo.

Fui desviado de meus pensamentos ao sentir a mão de Zach nas minhas costas. Racionalmente eu sabia que não deveria ficar com raiva, que ele só estava preocupado comigo, porém, ser tratado como um boneco de louça estava me deixando irritado.

— Tira a mão, cara – Minha voz saiu um pouco alta demais e me arrependi no instante em que vi seu olhar. O olhar de uma criança perdida dos pais ou que acabou de enterrar seu cachorro. Eu não entendia como diabos meu irmão mais velho podia parecer tão jovem de uma hora para outra.

Desviei o olhar de seu rosto e fui para o banheiro. Nos dias atuais esse era o único lugar da casa que conseguia privacidade, apesar de ter certeza de que se falassem comigo e eu não respondesse, alguém iria conjurar uma chave por mágica.

Depois de alguns minutos sob o jato de água morna me senti um pouco melhor. Sempre me sentia um pouco pegajoso pela manhã, já que a febre se tornara uma constante da minha vida há alguns meses e eu sempre acordava suado.

Olhei para o meu reflexo no espelho enquanto escovava os dentes, meu rosto estava mais branco e minhas olheiras mais escuras a cada dia que passava. Eu parecia um cadáver. Não consegui evitar o ligeiro estremecimento ao pensar que em pouco tempo eu seria um de verdade.

Saí, esperando ver meu irmão parado em frente a porta do banheiro. Fiquei feliz por estar enganado, ao mesmo tempo que me senti culpado pela maneira como o tinha tratado. Zach e eu sempre fomos melhores amigos. Claro que, como todos os irmãos, tínhamos discussões, mas na maioria das vezes nos dávamos bem. Era por isso que odiava vê-lo triste.

Me senti um pouco tonto ao descer as escadas e tive que segurar com força no corrimão para não cair. As tonturas haviam aumentado, mas é óbvio que não iria deixar minha família saber disso. Não era uma questão de altruísmo, claro que eu não queria ver eles mais preocupados comigo do que já estavam, acima de tudo, porém, não queria ser vigiado por eles mais do que já era.

Quando entrei na cozinha, meu irmão estava sentado a mesa segurando uma caneca de café em uma das mãos enquanto mexia no notebook com a outra. Coloquei uma caneca de café para mim e me sentei de frente pra ele. Eu não iria pedir desculpas, e ele sabia disso, eu nunca pedia desculpas.

— Vendo pornô de novo? – Perguntei querendo sair do silêncio desconfortável – Você sabe que deveria achar uma namorada real, não é?

— Ah claro, como aquela...

— Deixe a Rachel fora disso –Eu corei um pouco, parecia que as únicas coisas que eram capazes de trazer alguma cor a meu rosto ultimamente eram a febre e a vergonha.

— Qual é, irmãozinho? Pelo menos o quarto do motel tinha telefone e eu pude levar suas roupas antes que uma pobre camareira resolvesse entrar nele.

Ele riu e eu não pude deixar de sorrir também, era bom ver Zach rir, mesmo que fosse de algo que eu considerava o maior mico da minha vida. Olhei para o relógio na parede e vi que já eram nove horas.

— Você está atrasado para o trabalho – Comentei

— Querendo se livrar de mim? – Perguntou fingindo estar ofendido

— Sempre – Respondi rindo

— Se deu mal então. Para seu azar meu chefe me deu o dia de folga.

— O senhor Carter? Ele te deu um dia de folga? Zach conta outra – Revirei os olhos. Eu conhecia o chefe do meu irmão. Senhor Carter era um velho rabugento que fazia Zach ser praticamente seu escravo pessoal, mesmo quando a loja de penhores estava fechada. – Eu sei o que você está fazendo, cara. Entendo que esteja preocupado comigo, mas você e a mamãe tem que parar com isso.

— Com isso o que? – Perguntou ele, se fazendo de desentendido

— Com isso – Fiz um movimento exasperado com os braços – Tudo. Você não sai mais com seus amigos, mamãe não quer me deixar sozinho nem para ir ao mercado, ela ficou cinco dias direto mexendo em livros, sites e revistas...

— Ela só quer...

— Eu sei que ela quer, eu sei que você quer, sei que está ajudando ela com isso, vocês tem que parar... Vocês tem que aceitar...

— Aceitar? – E lá estava aquele olhar de criança perdida novamente. Zach devia ser o mais velho, droga.

Senti vontade de mudar de assunto, fazer uma piada ou qualquer coisa. Ver aquela tristeza em seu rosto, doía mais que qualquer tratamento que eu fiz no hospital quando achavam que a doença era curável. Mas eu não podia fugir mais, eu tinha que encarar o que estava acontecendo se quisesse que meu irmão encarasse também.

— Sim, aceitar – Gritei, sem conseguir conter a raiva – Eu estou morrendo, porra. A mamãe e o papai gastaram toda a poupança de nossas faculdades nos melhores médicos e todos eles disseram a mesma coisa. Eu tenho pouco mais de um ano de vida e, sim, isso é uma merda. Eu sei que vocês não querem que eu morra, eu definitivamente não quero morrer, mas não há uma escolha. Não há uma cura. E se médicos lá de puta que pariu não acharam nada em décadas, certamente você e a mãe não farão isso nas revistas e sites em alguns meses.

Me levantei da mesa deixando a xícara de café intocada sobre ela e andei na direção das escadas. Eu precisava voltar para meu quarto. Tinha subido apenas alguns degraus quando me senti tonto novamente e apertei o corrimão.

— Will? – Zach chamou preocupado, provavelmente percebendo o que havia acontecido.

— Vá para o trabalho, Zach – Eu disse sem me virar para para ele e continuei a subir.

Entrei no meu quarto e fechei a porta antes de me deitar na cama. Enquanto a dor de meu corpo diminuiu um pouco quando deitei, o aperto em meu peito só fez aumentar.

Eu não queria morrer, mais que isso, não queria levar minha família para o túmulo comigo e sentia que era isso que estava fazendo. Afundei meu rosto no travesseiro e finalmente deixei minhas lágrimas caírem, não sei dizer por quanto tempo chorei, antes de adormecer.

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