Capitulo 02 - Zach

59 5 30
                                    

Observei meu irmão subir as escadas de volta para o quarto. Eu não sabia o que falar. As palavras dele doeram. Doeram ainda mais porque eu sabia que ele estava certo.

Mas como eu poderia apenas aceitar? Como eu poderia apenas desistir e observar a forma como ele ficava cada dia mais pálido e fraco? Como eu poderia viver minha vida normalmente sabendo que em pouco tempo meu irmão, meu melhor amigo, estaria...

Meus pensamentos dispersaram quando vi Will pender um pouco e se agarrar ao corrimão, a preocupação era como água gelada em minha barriga quando o chamei:

— Will? – Me xinguei mentalmente por soar tão parecido com uma criança de oito anos.

— Vá para o trabalho, Zach – Ele disse sem ao menos olhar para mim e voltou a subir.

Esperei um pouco antes de segui-lo. Não queria invadir sua privacidade, apenas ter certeza de ele não havia desmaiado ou caído no corredor. Fiquei aliviado ao ver que não era o caso. O alívio evaporou no entanto, quando ouvi os soluços através da porta fechada, aquele som me machucou mais que qualquer coisa. Will estava chorando.

Tive que lutar contra o impulso de abrir aquela porta e... Bem, não sei exatamente o que eu faria se entrasse no quarto.

De qualquer maneira, não fiz isso. Will precisava de um tempo para ele, e talvez, pensei com um pouco de culpa, eu também precisasse de um tempo para mim.

Desci de novo as escadas e fui para a biblioteca. Minha mãe ainda estava dormindo na cadeira em frente o computador. O cobertor com o qual a havia coberto mais cedo tinha escorregado um pouco e eu o ajeitei novamente. Ela se mexeu um pouco mas não acordou.

Ao contrário do que meu irmão havia pensado, eu não tinha mentido sobre estar de folga. Senhor Carter era um tirano na maioria das vezes, mas, desde que a notícia da doença de Will se espalhou pelo bairro, se tornou um pouco menos rígido com horários e parou de me fazer trabalhar em sua casa quando a loja de penhores estava fechada. Eu sabia que isso era por pena, mas não podia deixar de me sentir grato, não quando o aumento do salário ajudava a pagar os remédios que prolongavam a vida de Will.

Me sentei no sofá da sala e liguei a TV, deixando o volume baixo para não acordar minha mãe. Sabia que ela havia passado os últimos três dias direto acordada pesquisando sobre tratamentos, milagres e sei lá mais o que.

No fundo, eu sabia que toda essa pesquisa era perda de tempo, mas uma pequena parte de mim ainda tinha esperança que ela saísse daquela biblioteca gritando que havia achado algo, que havia achado uma cura. Era essa mesma esperança que me fazia revirar todos os sites médicos que podia quando não estava no trabalho.

O telefone tocou e eu corri para atender antes que o som estridente tirasse minha mãe do merecido sono. Quando levei o telefone ao ouvido, me arrependi profundamente por não deixar cair na secretária eletrônica.

— Alô – Atendi um pouco distraído.

— Zacariah? – Ouvi a voz do meu pai do outro lado da linha, ele era a única pessoa no mundo que me chamava pelo nome completo e minha impressão é que fazia isso apenas para me irritar.

Senti o desejo de responder algo sarcástico como "Não, é a rainha da Inglaterra", mas isso era coisa do meu irmão, não minha.

— Sim, pai – Respondi, tentando disfarçar meu descontentamento. Não era que eu não gostasse dele, era só... Não sei, eu apenas nunca consegui perdoa-lo por deixar a mamãe para viver com outra mulher.

— Você não devia estar no trabalho?

"Você não deveria cuidar da sua vida?" foi a resposta que me veio a cabeça no momento.

— Senhor Carter não quis abrir a loja hoje, estou de folga.

— Ah... – Ele fez uma pausa antes de perguntar – Como estão as coisas aí?

Passei a mão pela testa, no fundo sabia que meu pai era uma boa pessoa, (ou quase isso) e que, como todos nós, estava preocupado com Will, mas "Como estão as coisas aí?" Isso era o melhor que ele podia fazer?

— O mesmo – Respondi simplesmente, afinal o que mais poderia dizer? Meu irmão ainda estava morrendo, minha mãe continuava a procurar desesperadamente por... qualquer coisa... e eu, como sempre, não tinha a mínima ideia do que estava fazendo.

— Karen...? – Ele começou novamente após alguns momentos de silêncio. Minha impressão é que se sentia tão desconfortável falando comigo, quanto eu com ele.

— Está dormindo – Respondi olhando na direção da biblioteca.

— Isso é bom.

— Sim – Tive que concordar. Papai também sabia sobre a determinação dela em encontrar algo e que isso muitas vezes a deixava sem dormir. Ele havia havia "aceitado" a situação e tentou convence-la a fazer o mesmo, mas fracassou.

— Eu... Hum... Liguei por causa do jantar de amanhã a noite...

— O senhor não vai vir – Não foi uma pergunta, já estava acostumado com ele faltando o jantar de sábado que era, por assim dizer, uma tradição desde que mamãe e ele haviam voltado a se falar.

— Não, é claro que vou – Disse depressa, – Eu só queria avisar, Maryon vai comigo.

— Hum... Ok – Respondi indiferente, não era a primeira vez que ela o acompanharia e, apesar de não gostar de Maryon, não tinha nada contra ela.

— Então... até amanhã.

— Até... – Respondi e desliguei.

Me sentei novamente no sofá e voltei a assistir. Alguns minutos depois foi para o intervalo comercial, me ajeitei melhor e fiquei esperando o filme voltar. Foi quando a TV começou a exibir o anúncio de um show. O show do Heroes of Glass, a banda preferida de meu irmão.

Enquanto as luzes piscavam na tela, Me lembrei das várias vezes que Will era mais jovem e dizia que quando fosse maior de idade iria para um show dessa banda não importava o quão longe fosse de casa.

Sorri com a lembrança, mas um nó se formou em minha garganta, ele tinha 19 anos agora e ainda não havia realizado esse sonho. A doença o deixando cada vez mais fraco e sua vida em contagem regressiva só tornava tudo mais difícil.

Voltei a me concentrar na TV a tempo de ouvir o local do show ser anunciado, era a dois estados de distância, seria uma viagem muito longa para Will com sua saúde deteriorada. Ele não poderia ir.

Suspirei e desliguei a televisão, toda a vontade de assistir algo havia evaporado com aquele comercial. Arrumei brevemente a casa e voltei a mexer em sites médicos em meu notebook.

Enquanto analisava as mesmas informações que já havia lido diversas vezes sobre aquela maldita doença e via as palavras "incurável", "deterioração" e "morte" flutuar diante de meus olhos, as palavras de Will voltaram a ecoar em minha cabeça: "Eu estou morrendo, porra", era isso o que mais doía.

Fechei o notebook com mais violência que pretendia e apoiei minha cabeça sobre os braços na mesa, deixando finalmente as lágrimas caírem. Deixando livre o garoto de 8 anos que me senti desde que essa merda toda começou.

O Último Show Da Minha Vida (Em Pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora