Era sexta feira, já estava no fim da tarde, e mais uma vez eu tive que enfrentar o dia do sofrimento na cessão de quimioterapia. A Cláudia colocou uma porção a mais de remédio na minha bolsa de soro por recomendação da equipe médica que coordena o meu tratamento. O único sentimento que me vinha na hora era o de se estar morrendo. E o pior é que eu me preocupava com o fato de as pessoas que eu gosto terem que sofrer por minha causa depois. Eu sentia que era uma bomba relógio, prestes a explodir, sendo responsável pelo sofrimento das pessoas que eu amo.
A viagem para Califórnia não saia da minha cabeça. Eu mal podia acreditar que iria conhecer o Wilson, mal podia esperar para tirar todas as dúvidas que eu sempre tive, além do desejo enorme de poder conhecer a cidade. Sempre imaginei como seria lá; restaurantes chiques, lojas com muitas roupas de grife, bebidas clássicas, trânsito tranquilo, e tudo o que uma bela cidade poderia ter.
Quando cheguei em casa depois da cessão de quimioterapia fui checar a caixa de e-mail para ver se tinha recebido alguma mensagem da acessória do Sr Wilson. Enquanto fazia isso, o Ramon ligou pra mim. Telefonemas se tonou uma parte da nossa rotina. Mas, naquele dia eu senti que o Ramon estava muito estranho.
— Anne?
— Oi.
— Está ocupada?
— Não. Cheguei agora pouco da cessão de químio.
— Ah, então esquece, você deve está cansada.
— Não, não estou.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Você poderia vir aqui?
— Claro, que horas?
— Agora.
— Ah, certo. Então estou indo.
Eu não entendi porque o Ramon estava daquele jeito. Ele não me respondia bem, estava com uma voz de super cansado, o que me preocupou bastante. Quando cheguei na casa dele, como sempre, ele estava naquele porão praticamente todo escuro.
—Ramon?
Ele não me respondeu, estava sentado na velha poltrona marrom com a cabeça baixa, e um abajur que refletia no rosto dele. Aquilo me deixou assustada.
— Ramon, aconteceu alguma coisa?
— Senta aí.
Sentei numa cadeira bem ao lado dele, e quando ele levantou a cabeça e olhou pra mim os olhos dele estavam muito vermelhos, os braços estavam ensanguentados, e tinha um canivete em cima da mesa do abajur. Eu não tive reação alguma. Fique em choque, quando o encarei, as lágrimas desceram no rosto dele. Meu chão desabou.
— Ramon o que aconteceu com você!? Meu Deus, olhe os seus braços! O que houve, me fala!
E ele não me respondia, apenas chorava. Eu não aguentei ver ele naquela situação e me entreguei ao choro.
— Ramon, por favor, eu preciso que você me fale o que está acontecendo. Por quê você fez isso, por favor me fala, eu preciso saber!
— Anne, me perdoa.
O choro dele era tanto que ele já estava soluçando.
— Te perdoar pelo quê se você não fez nada?
— Me perdoa por ser assim, eu não queria, me perdoa.
— Ramon, eu não estou entendendo, eu preciso que você me explique o que houve. Por favor.
Ele abriu a mão esquerda, e estava segurando um bolo de maconha e duas pedras de crack. Aquilo me tirou o ar, não conseguir acreditar no que estava vendo, não conseguia de nenhum modo.
Então, mesmo não acreditando no que eu estava vendo, mesmo não enxergando o Ramon que eu conhecia, eu simplesmente o abracei forte, e ele me abraçou também. Ele precisava de ajuda, precisava de consolo de conforto, precisava de carinho. Eu tinha que fazer algo para ajudá-lo, eu precisava.
— Ramon não fica assim, você precisa de ajuda.
Ele não parava de chorar.
— Me desculpa, por favor.
— Eu te amo.
Quando eu disse isso na mesma hora ele parou de chorar.
— Não importa o que aconteça, você pra mim continua sendo o mesmo, o seu coração não deixou de ser o que é por causa disso, não se preocupe, eu estou com você, não duvide disso.
As lágrimas que eu prendia escorreram pelo meu rosto, e o Ramon me beijou.
A minha blusa estava completamente suja de sangue. Eu fiquei ao lado dele até que ele pegou no sono. Então, aos poucos fui limpando os ferimentos dos braços dele com cuidado. Peguei uma pequena bolsa de soro, e um pacote de gaze que estavam guardados no armário. Quando terminei de fazer os curativos nos braços dele, percebi que não poderia ir pra casa com a blusa suja de sangue. A dona Laura costumava amontoar as roupas dela no porão ao lado do armário, dentro de uma caixa. Resolvi vesti uma das blusas da dona Laura.
A caixa de roupas ficava bem à frente da poltrona em que o Ramon estava sentado. Enquanto eu trocava de roupa percebi que o Ramon estava olhando. Dei um beijo no rosto dele antes de ir embora e ele continuou com os olhos fechados.
Eu precisava ajudar ele, só não sabia como. Aquilo me preocupou muito, principalmente porque a viagem para a Califórnia era em penas um dia.
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Como se fosse ontem
RomanceAnne Clinton é uma jovem com uma doença terminal que sonha em se formar em medicina. A vida de Anne muda de uma hora pra outra quando ela encontra o amor da sua vida.