C A P I T U L O 4

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— Eu não pedi nada pra você! — A liberação de toda a ingratidão existente em toda a Sulphur Springs fez-me desejar imensamente gritar o mais alto possível para que fosse viável pegar todo o meu dinheiro de volta e entregar a cabeça daquele rapaz para seja lá quem for que ele tinha irritado. 

   Havia desfeito sua dívida com uma parte de meu salário. Há quem possa dizer que cometi uma grande burrice, entretanto, gosto de pensar que foi um ato de pura inteligência. Eles voltariam para checar o local sempre que possível, pois possivelmente notaram a permanência do rapaz ali, ou pelo menos suspeitaram. Problemas a essa altura não seriam de grande agrado para mim, quando tudo o que eu queria era servir aos clientes com toda a minha falsa simpatia, para, no final do dia, deitar em minha cama com tranquilidade em minha cabeça e xelins em minha conta. 

— Não pense nisso como um favor. — Altero minha voz imediatamente, apontando o indicador para seu rosto. — Você trouxe problemas para cá! Pouco me importa as dívidas que faz, ou as drogas que usa. Não traga problemas para a porra do meu território. — Pude ver a surpresa em seu olhar e quase pude notar também que ele havia recuado, mas meus nervos estavam a flor da pele para pessoas irresponsáveis em relação a drogas. Minha mãe era uma destas pessoas e eu não precisava mesmo vê-las em meu trabalho também, onde tudo parecia estabilizado e normal. O que tirou-me do sério, naquele momento, foi a audácia do rapaz em levantar, mostrando-me seu grande porte físico, deixando sua touca cair e liberando seus cabelos perfeitamente alinhados e quase loiros. Alguém tão bonito não podia ser tão burro, pensei imediatamente.

— Escuta, moça. — Ele aproxima seu rosto do meu e diz entredentes. — O que faço com minhas drogas, não lhe vem ao caso, — dou um riso debochado e cruzo os braços sem quebrar o olhar, pois recuar estava fora de cogitação a essa altura —, pois uma hora ou outra, eu ia pagar. Apenas precisava de um tempo, não imaginei que aqueles filhos de uma puta apareceriam aqui, tão descaradamente. — E assim, ele altera a voz em um tom que não me agrada nem um pouco.

— Saia! — Exclamo sem precedências. Estava irritada demais para sequer pensar no tom de minha voz, e queria acabar com aquele problema de uma vez por todas. Entretanto, a forma que queria acabar com o problema geraria grandes problemas para mim, e eu não estava em uma fase muito paciente de minha vida.

   Conflitos sobre drogas era algo de grande presença em minha vida. Desde o dia que minha mãe descobriu sobre o que houvera acontecido entre mim e seu namorado, houve uma guerra em sua mente. Uma guerra entre ela e ela mesma, e eu não tive a capacidade de fazer o lado bom vencer. Portanto, quando a guerra pendeu para seu pior lado, vi Holiday Mulligan perder a maior batalha de sua vida, e nunca parei de sentir-me culpada por isso.

   Tudo começou com antidepressivos. Eles eram o suficiente para acalmar seus nervos, pois ela insistia em me culpar por tudo o que acontecera, e eu me culpava também. Quando parei de me culpar, direcionei-a a culpa, pois achava que nenhuma mãe com escrúpulos o suficiente colocaria em casa um homem completamente desconhecido que conhecera em menos de dois meses. Mamãe deixou de ser presente quando o conheceu, já que ele a prometeu o mundo. Os antidepressivos não foram o suficiente para substituir o mundo que ela imaginava possuir ao seu lado, então, a cocaína lhe serviu bem, e eu tive a impressão de que logo, as drogas não poderiam a salvar. Logo, ela não poderia salvar-se de si mesma, e não tinha nada que eu pudesse fazer a respeito, já que a algum tempo, deixei de me importar também. 

   A situação não teria vindo a tona se não fosse por um maldito sonho. Passei anos tendo pesadelos com aquela noite, e sentia cada segundo dela passar por meu corpo em vários momentos de minha vida. Ao decorrer de um dos pesadelos, o pior deles, gritei por socorro durante o sono e chorei. Chorei tanto que tive a impressão de inundar todo o meu quarto com minhas lágrimas e a montanha de sentimentos ruins que estava sentindo, e eu não passava de uma criança assustada. Mamãe me abraçou forte naquela noite, e em meio a um ataque de pânico, lhe contei tudo. 

   Pude sentir seu abraço afrouxar aos poucos, seu olhar me reprovar e também percebi certa repulsa. Neste dia, mamãe me deu o último abraço. Neste dia, chorei pela última vez. E nossa relação não passou de uma matéria vazia destruída por um homem movido por toda a sua dureza e ruindade. Eu era apenas uma criança, mas jurei um dia me vingar.

Blood Hands (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora