C A P I T U L O 1 5

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O estrondo causado pelo impacto não fora tão doloroso quanto a dor que senti ao dar de encontro com o painel do carro. Havíamos feito aquilo. A tontura viera de forma lenta, fazendo-me passar meus dedos delicadamente por minha testa para sentir a textura do sangue que dali descia, e só então me lembro de checar Luke, pois estava quieto desde o momento do embate. Ele estava inconsciente, e precisei me segurar para não gritar com ele o mais alto que conseguia para o acordar e o lembrar de não dirigir tão velozmente. Os estilhaços espalhados por meu cabelo causaram aversão em minha mente, já que não entendia o tamanho do estrago que havíamos feito. Lentamente, empurro Luke com uma de minhas mãos, que estava machucada. Ignoro a dor que sinto ao movimentar aquela área e aumento a intensidade do toque, afim de acordar meu parceiro e corrigir parte do estrago que fizemos.

- Acorde.- Sacudo-o o mais forte e rápido que consigo, precisava de sua consciência de volta. Parecia a mais dramática cena de filme, se não fosse por nosso estado patético e desesperado. Meus movimentos são recuados ao perceber a presença de uma terceira pessoa no local do acidente, e preciso olhar para a janela para finalmente perceber que atraímos atenção. Olho lentamente para a figura ao meu lado e arregalo os olhos, dando um suspiro apático.

- Precisam de ajuda?- Sua voz acelerada e preocupada fazia minha mente voltar no tempo como um raio de luz, trazendo a tona momentos em que aquela mesma voz possuiu grande importância em minha vida. Eu sabia o que precisava fazer, e eu o faria, torcendo para não ser reconhecida depois de tantos anos.

- Eu adoraria.- Dirijo a palavra com a voz embargada, expressando a dor física que sentia e por uns segundos desejei ser levada para sua casa e cuidada por alguém que soubesse exatamente o que fazer. E assim, com sua ajuda, carregamos Luke para dentro e nos afastamos do acidente intencional, que tornaria-se o segredo de três pessoas que estavam prestes a contribuir uma com a outra, mesmo que uma delas estivesse desinformada dos fatos.

14 horas antes.

- Precisamos de dinheiro.- Digo para Luke, sentada em sua cama enquanto observava a rapidez que o garoto levava para arrumar as malas. Ignoro a arma depositada ali, pois a curiosidade em saber como havia a obtido seria um bom assunto para momentos em que estivéssemos imersos em um silêncio desconfortável onde não saberíamos o que dizer.- E de um carro. Iremos matar alguém, roubar não é nada para quem estará com as mãos cheias de sangue.- Dou de ombros ao refletir sobre maneiras de arranjar dinheiro e um carro, sabendo que seríamos pegos por algo. Deixo meu corpo relaxar ao deitar-me em sua cama, aproveitando a maciez de seu travesseiro que tornara-se meu maior amigo de todos os tempos.

- Eu tenho um carro.- Ele diz tranquilamente, atraindo minha atenção e arrancando de mim uma careta indignada.

- Andamos por quase toda a cidade e fomos a lugares que me deixaram exausta e só agora você me diz que tem um carro?- Deposito brincadeira em meu tom de voz e me levanto, abraçando suas costas e beijando seu ombro calmamente.- Então sei uma forma eficaz de arranjar o dinheiro, sem precisarmos da polícia atrás de nós.

- E como seria, exatamente?- Luke olha para mim pelo canto de seu olho, realmente interessado com o dinheiro que ganharíamos, seja lá qual fosse meu método.

E assim, após a prontidão de suas malas e objetos que nos ajudariam em nossa jornada, entramos em seu Dodge 1970 preto e iniciamos nosso grande plano. Haviam coisas demais espalhadas pelos bancos de trás e pelo porta-malas, e eu sabia que ali dentro seria nosso pote de ouro dali em diante. Peguei facas de sua cozinha e as guardei nos fundos de minha mala, não deixando passar algumas ferramentas de construção que seriam úteis futuramente.

O problema financeiro começara a ser resolvido no momento em que Luke parou o carro em frente ao bar de Jack, onde estacionamos o carro e entramos para encontrar o ambiente vazio, com o dono limpando o balcão ao som de Ray Charles, e a familiaridade invadiu minha alma. Talvez, pela última vez.

- Vai simplesmente pedir dinheiro emprestado para Jack?- Luke pergunta incrédulo em meu ouvido, andando ao meu lado até o balcão, onde Jack nos recebeu com um reconfortante sorriso cheio de tristeza em seus olhos.- Olá, cara. Como está indo?- Diz o rapaz mais novo, sentando-se em uma cadeira e acomodando-se como o bom ator que estava mostrando ser.

- Estou indo.- Jack responde-nos com sinceridade, parando seus afazeres para nos direcionar a atenção.- Está difícil, não acho que eu vá voltar a movimentar o local. Não faz sentido, afinal.

- O que?- Luke o pergunta imediatamente.

- Não irá fazer isso, Jack.- Tomo o lugar de fala e sento ao lado de Luke, que naquele momento parecia não entender a atitude do velho.- Sabe que Earl odiaria que parasse sua vida, e vai prosseguir com o movimento justamente por ele.- E no fundo, Jack sabia que iria. E logo estava próximo de saber que precisaria prolongar a estadia do estabelecimento, pois suas necessidades seriam colocadas acima. Luke deu um leve chute em minha perna como incentivo para a seguida de meu plano, e foi o que fiz. Levantei-me de minha cadeira e andei até os fundos do balcão, onde abracei fortemente Jack como pedido de desculpa.- Sei que o que vou fazer vai lhe chatear, mas preciso o fazer.- Sussurro em seu ouvido, arrancando de si um olhar confuso.- É pelo Earl, por mim e por todos.- Olho para Jack, procurando seus olhos com os meus para mostrar-lhe que havia verdade em minhas palavras.- Eu te amo. Isso doerá mais em mim do que em você.

- Call, do que está...- Sua fala é interrompida pela pancada que dou em sua cabeça. Luke dá um pulo de sua cadeira e corre até nós, pegando em seus braços o velho desmaiado e olhando para mim com indignação.

- Você perdeu o juízo?- Ele fala mais alto do que precisava, e enquanto retiro um saco do bolso de minha jaqueta e procuro meticulosamente por um possível cofre, Luke examina a cabeça de Jack como se procurasse um tesouro precioso. - Pode ter o matado! Céus, Callie. Achei que Billy fosse seu alvo. - Seu alívio é transparente quando sente o pulso de Jack e percebe que seu coração batia normalmente, balançando a cabeça de maneira negativa e encostando-se na parede atrás do balcão.

- Ele ficará bem. - Alerto-o abatida, quase arrependida com o que acabara de fazer. - Não faria nada que o matasse, Luke. Não seja tolo.- Conforto o garoto com a verdade que eu acreditava, suspirando em seguida.-Jack tem um cofre em algum lugar, sei disso. - Passo minhas mãos pela parede, frustrando-me ao encontrar a mesma quantidade de dinheiro que tinha em meu bolso: nada. Com as mãos na cintura, olho ao redor do ambiente e procuro por qualquer sinal que pudesse indicar um esconderijo digno de Jack, e ao identificar um quadro vintage de Ray Charles posicionado de maneira torta e desajeitada ao lado das prateleiras de bebida, ando até lá torcendo para que os céus me ouvissem.- Será você o meu bilhete premiado, Charles?- Olho para o quadro como um predador olha para sua presa, e dou pulos de alegria ao retirá-lo da parede e encontrar o tão famigerado cofre. Luke coloca Jack no chão com cuidado e ao levantar-se, vem de encontro a mim, cruzando os braços e olhando para o cofre em perfeita sintonia comigo.

- Como acha que vai abri-lo?- Ele me desafia, claramente irritado com minha atitude anterior. Luke logo entenderia que, ao brincar com fogo, você tende a se queimar.

- Certa vez, - viro-me para o balcão, tirando dali dois pequenos copos e preparando para Luke e eu um drinque de vitória, arrastando a bebida para o rapaz e tomando de uma vez a minha, que me daria coragem o suficiente para prosseguir com uma das maiores traições que havia cometido com uma das pessoas que mais amava no mundo -, Jack mencionou com Earl que a senha de seu cofre era a data de meu nascimento. Sempre tive curiosidade em saber onde estava o tal cofre, e não acredito que era assim tão óbvio.- Pego a Johnnie Walker mais próxima e a abro, bebendo um longo gole diretamente da garrafa. - Não pode desperdiçar as pequenas chances que a vida te dá.- Levanto a garrafa para Luke, o oferecendo. Ele a pega de minhas mãos e toma um gole ainda maior que o meu, me lembrando de que eu tomaria a direção do carro ao sair dali. Minha atenção é completamente voltada ao cofre, que logo é aberto após colocar minha data de nascimento no pequeno painel lá presente.

- Me diga, espertinha. Por que Jack colocaria sua data de nascimento em algo tão importante?- A pergunta é direcionada a mim, arrancando-me um pequeno sorriso. Coloco as pilhas de dinheiro dentro do saco em minhas mãos, deixando três imunes para garantir que o homem desmaiado no chão não ficasse sem recurso algum.

- Pelo mesmo motivo que ele não me denunciará.- Por fim, fecho o cofre e volto a digitar a senha para assegurar que não fosse roubado mais uma vez. Viro de frente para Luke e vejo sua sobrancelha arqueada me desafiar a contar o grande motivo, e assim o faço.- Ele é meu avô.

Blood Hands (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora