C A P I T U L O 8

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   A proporção que a briga havia tomado preocupava-me de maneira que precisava pensar meticulosamente sobre a forma como tiraria Luke dali, sem descartar a chance de me divertir com a situação, já que parecia que o rapaz monitorava meus passos sem nem notar e trazia conflitos para onde eu estivesse. Mal podia acreditar que ele se tornara uma espécie de donzela em perigo, a minha donzela. E tudo o que eu sabia sobre ele era seu nome e sobre seu dom assombroso de estar nas desordens mais próximas. O nervosismo em agir em nome da compulsividade surpreendera a mim mesma, pois nunca senti minhas mãos suarem daquela forma em uma situação de alerta, e só quando finalmente agi, notei que havia cometido a maior tolice de toda a minha vida. 

— Ei! — Gritei o mais alto que minhas cordas vocais conseguiam e joguei no chão o copo mais próximo de mim, afim de chamar a atenção de todos ali com o barulho dos cacos de vidro. Tive a consciência de verificar se alguém havia se machucado, afinal, minha atitude automática não descartava o dom filosófico de minha mente. Ainda havia bom senso, e tudo o que ganhei fora o silêncio de cada indivíduo ali presente, incluindo Luke e o valentão em cima dele, que identifiquei sendo Bobby. Não existia um rosto ali que já não fosse conhecido por mim, e me senti tão vitoriosa que me permiti dar um breve sorriso e entrei no meio dos dois galos de briga. Paro em frente a Luke e analiso as feições de seu rosto, balançando a cabeça negativamente para as feridas e todo o sangue.— Você está me saindo um belo pé no saco. — Digo baixo o suficiente para que apenas ele ouça, arrancando-lhe pura confusão. 

— O que está fazendo? — Ele diz em tom de reprovação e eu lhe dou um leve tapa de advertência, virando para Bobby em seguida. Seu rosto não tinha tantas feridas, entretanto. Sua mão estava machucada o suficiente para perceber que Luke não tivera tanta sorte em seja lá o que quer que ele tenha feito para o provocar, pois provocou a pessoa errada. Bobby possuía a pior fama do local, sendo o mais forte e briguento. Ele achava que sua presença em qualquer lugar era motivo de cutucadas e queria ser o centro das atenções, e era exatamente por isso que gostava tanto dele. 

— Bobby, seja lá o que ele tenha feito, — aponto para Luke, que a essa altura estava sentado no chão desajeitadamente, olhando a situação em completo desdém —, não resolva desta maneira. Sabe que sou sensata e deixaria o espancar se valesse a pena. Mas acredite, ele é um filhotinho indefeso. — Luke protesta em advertência e eu o mando calar a boca. — Deixe ele ir.

   Bobby reveza seu olhar entre Luke e eu, e já sabendo que sua escolha penderia para meu lado, faço minha melhor expressão e olho para ele implorando-o mentalmente para nos deixar ir impunes enquanto a plateia de bêbados permanecia em silêncio ao nosso redor, esperando quaisquer ruídos, para então cair matando em cima do espetáculo que os estava sendo oferecido. 

—Eu espero, honestamente, que ele não volte aqui! — Ele ruge como um leão feroz e difere um leve toque em meu ombro antes de deixar o círculo e arrancar reclamações da boca dos curiosos. Com a volta da movimentação e a música ecoando novamente, estendo minha mão para Luke e o ajudo a levantar, não recuando em momento algum o contato visual que estávamos fazendo. 

   Toda a emoção que esperava sentir havia me decepcionado de maneira que, em consequência dos atos do rapaz ao meu lado, o culpei pelo desânimo que naquele momento sentia. Dei-o minha jaqueta de couro preta que estava usando e o senti hesitar antes de vesti-la. Estava impaciente e nem mesmo sabia o motivo, sendo assim, fiz com que Luke enrolasse seu braço em meu pescoço e assim andamos até minha casa, que encontrava-se vazia e com um aspecto assombrado e fantasmagórico. Tal ambiente trazia de volta para a minha memória o abandono de minha mãe, e quase agradeci por voltar acompanhada naquela noite. A caminhada fora tranquila e silenciosa, pois o peso de Luke não atrapalhara tanto e a sua contribuição evitou um surto psicótico vindo de mim, que estava prestes a explodir pela exaustidão daquele dia. Tudo o que eu queria era um bom banho e um bom sono. 

— Sinta-se em casa. — Digo ao entrarmos, vendo Luke observar cada canto da sala e sentar-se no sofá como se já fosse habituado ao local. Confortável demais, e nem mesmo me estressei com a atitude do rapaz. Familiaridade era bom. — Pode começar me dizendo o que fez para que Bobby quebrasse a sua cara?— Tiro meus sapatos e coloco em um canto qualquer, pegando um kit de primeiros socorros em uma das gavetas do lado do sofá e sentando-me ao seu lado. — Vai doer um pouco. — Aviso-o em antecedência. Sem pestanejar, observo atentamente cada ferida em seu rosto para logo saber o que fazer.

— Eu apenas olhei para a moça que estava o acompanhando. — Ele fecha os olhos ao sentir o algodão molhado de álcool em um dos cortes de sua bochecha. O cuidado com que mexi em suas feridas surpreendera-me tanto que me senti orgulhosa por tamanha delicadeza. — Você deve achar que sou um paspalho. 

— Te acho um paspalho por sequer usar esta palavra. — Assopro um de seus machucados para em seguida fazer um perfeito curativo, logo analisando a mão de Luke pousando em minha coxa para apertá-la. Ele queria cessar a dor, e eu permiti que usasse minha perna como escudo. — Mas não só por isso. Devia saber que Bobby é casca grossa, qualquer movimento brusco pode fazê-lo atacar. — Deposito os algodões com sangue em uma sacola e a coloco em cima da gaveta, finalizando os cuidados necessários para que as feridas cicatrizassem. 

— Eu não sabia disso. — Vejo-o arquear a sobrancelha e acho graça, pois Luke parecia um pirralho implicante e fazia com que eu me sentisse sua babá. 

— Bem, agora você sabe. — Me levanto e espreguiço-me demonstrando o cansaço que aquele dia havia me proporcionado. — Vou preparar um chá, — digo enquanto ando até a cozinha, parando ao chegar na porta —, e pode dormir aqui, hoje. — Ressalto a exclusividade daquele dia, deixando claro que nunca mais voltaria a dormir em minha casa. Pelo menos, tal possibilidade não estava em meus planos. 

— Muito obrigada, você vem me salvando muito. Ainda irei te retribuir! — Ele diz com sincera gratidão e sobe alguns pontos em meu conceito, mas eu nunca o diria isso, pois as pessoas transformam-se na pior das espécies quando tem seu ego inflado. Eu não era do tipo de garota que inflava egos, nem mesmo o meu. — Se não se importa, vou tomar um banho. Prefiro não arriscar sujar seu sofá de sangue, você pode me surpreender.— Seu tom divertido me faz querer não estar tão cansada para poder passar a noite conversando e descobrindo cada vez mais sobre o garoto problema.

— Tome um banho. Tem toalhas limpas no armário do banheiro, que é logo ali. — Aponto para o banheiro no final do corredor, vendo Luke direcionar o olhar para onde meu dedo estava o mandando. — Escovas de dente no armário e você pode se arranjar com suas próprias roupas, acredito que não vá gostar muito de usar as minhas. — E então, sigo cozinha adentro, preparando o melhor chá possível e panquecas para Luke comer antes de descansar. 

   No final da noite, deixei seu alimento em cima de um criado-mudo e direcionei-me direto para meu quarto, sabendo que, se permanecesse ali, passaria a noite ouvindo e contando histórias. Não era de todo ruim, queria o conhecer. Mas o cansaço havia vencido a luta contra mim e prometi a mim mesma um interrogatório no dia seguinte, afinal, seria justo conhecer melhor a donzela em perigo que dormiria em meu sofá e aproveitaria de minha hospitalidade. 

Blood Hands (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora