Capítulo II

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Na manhã seguinte, Lizzie levantou-se antes mesmo que o sol nascesse e começou a se preparar para seu primeiro dia em Silverstone. Sentindo um grande entusiasmo pela expectativa do que estava por vir, foi até a janela de seu quarto e abriu as pesadas cortinas, admirando o mundo lá fora. A vista era realmente de tirar o fôlego, com a vastidão do mar a sua frente e o cinzento céu iluminando-se com os primeiros raios de sol que rompiam o firmamento. Incrível! Mal se percebia que um verdadeiro dilúvio caíra na noite passada!

Com uma sensação renovadora invadindo seu ser, Lizzie foi até uma de suas valises, onde encontrou todos os seus parvos pertences e de dentro desta, retirou um recatado vestido negro bem diferente do que usara na noite passada, com a gola alta omitindo seu busto e um corpete sem muitos adornos. Detestava usar cores escuras, pois contrastavam com seus cabelos negros e sua pele pálida, mas manteria o luto por sua mãe até que um ano tivesse passado, como mandava as leis da igreja.

De forma ágil, Lizzie trançou os laços do corpete até que a peça ficou perfeitamente ajustada contra seu corpo esbelto, e só então dedicou-se a vestir suas meias e calçou seus sapatos. Por fim, foi cuidar de seu cabelo, sentando-se de frente à penteadeira e escovando suas longas madeixas enquanto admirava seu reflexo no espelho.

Sabia que não era uma moça bonita, com a pele demasiadamente pálida e o cabelo negro que mais parecia à asa de um corvo, mas seus lábios eram rosados como os de uma criança e seus olhos escuros possuíam cílios longos e espessos, assim como os de sua mãe. Recordar-se de Lauren fez com que seu coração ficasse apertado no peito e lágrimas turvassem sua visão. Queria que nada daquilo tivesse acontecido. Queria que sua boa mãe ainda estivesse viva. Queria que jamais tivessem entrado naquele maldito barco.

E de repente, um flash obscureceu seus pensamentos e a imagem do corpo boiando lhe bloqueou a mente. Um corpo sem vida, inchado pela água do mar e corroído pelo sal. Lizzie sacudiu a cabeça, tentando afastar aquelas tenebrosas brumas e quando finalmente voltou à realidade, viu seu reflexo no espelho ainda mais pálido do que de costume. Céus... Quando aquelas imagens iriam parar de surgir?

Não... Não podia se deixar levar pela loucura das recordações! Tinha que se concentrar em seu trabalho, em sua nova vida! Tivera sorte por sobreviver ao naufrágio mesmo sendo uma péssima nadadora, e ainda por cima conseguiu um bom emprego mesmo que seu novo patrão fosse um verdadeiro mistério. O tempo sanaria suas feridas, bastava manter sua mente ocupada e longe das recordações.

Com um movimento brusco, enxugou as lágrimas dos olhos e terminou de prender seus cabelos em um coque na base da cabeça, deixando que alguns fios ficassem soltos na testa, para esconder o terrível bico de viúva que ela tanto odiava. Agora sim, parecia uma moça séria e pronta para assumir a direção de uma casa tão grande quanto aquela.

Sentindo sua coragem renovada, Lizzie levantou-se e foi até a porta com a clara intenção de explorar seu novo lar. Mas assim que destrancou a fechadura e empurrou a madeira pesada, surpreendeu-se ao sentir algo esbarrando em suas saias. Algo não... Alguém!

-Perdão... – Choramingou o garotinho que com o impacto do choque acabou caindo sentado no chão, completamente esparramado – Eu não sabia que tínhamos visitas...

-Não se preocupe querido. Não sou uma visita. – Respondeu Lizzie com seu melhor sorriso estampado no rosto, tentando interagir com o pequeno garoto enquanto se ajoelhava para ajudá-lo a se levantar. Era magro e pequeno, com a pele tão pálida quanto à dela e os cabelos negros em completo desalinho, mas parecia uma criança bastante ativa... – Eu sou a senhorita Elizabeth Dashwood. E você? Quem é?

Brumas de SalOnde histórias criam vida. Descubra agora