Capítulo - 6 e 7

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Felipe

Alguns anos depois...

Em luxuoso apartamento cujo pé direito, de considerável altura e paredes largas, ostentava enormes vidraças onde cortinas clássicas se recortavam fechadas e imóveis, uma lareira aquecia o ambiente. As chamas dançavam firmes, ao mesmo tempo, suaves, proporcionando luz bruxuleante que turvava a visão. Ali, naquela sala, sentado em confortável sofá, calado, rodeando nas mãos um copo de uísque, Diogo bebericava, tentando afogar os sentimentos angustiantes e uma dor inominável.

A empregada uniformizada devidamente, que falava não mais do que o idioma alemão, interrompeu seus pensamentos tristes, anunciando visita.

Mesmo assim, ele continuou imóvel. Olhar perdido nos desenhos octogonais da luz âmbar refletidos pelo cristal do copo que colocou sobre a mesa. Continuou como se nada tivesse ouvido.

O senhor Weber entrou logo atrás da empregada. Tirou as luvas, o cachecol e o sobretudo denso que o protegiam do frio intenso. Entregou-os à funcionária e agradeceu.

Logo se voltou para o filho e exclamou indo à sua direção:

- Nossa! Como está frio! Como vai, Diogo? – perguntou, inclinando-se junto a ele. Beijou-lhe o rosto e puxou-o para um abraço, forçando-o a se levantar.

Após o gesto mecânico, Diogo se sentou imediatamente. Erguendo o olhar pesado, na face séria, praticamente carrancuda, respondeu com uma pergunta.

- Como acha que estou indo?

Apiedando-se, o senhor alto, grisalho e corpulento, sentou-se ao seu lado e afagou-lhe as costas, dizendo:

- Desculpe-me por só ter conseguindo vir hoje. A nevasca fechou os aeroportos. Os vôos foram cancelados e.... Não teve como eu chegar a tempo. Você deve saber. – O filho não disse nada. Parecia anestesiado. Em seguida, o pai perguntou: - Por que não quis transladar os corpos para o Brasil?

- Eu já explique isso aos pais dela e a você por telefone. A Ceres gostava demais daqui. Ela, simplesmente, amava essa cidade. Fez questão que o nosso filho nascesse aqui. E... eu lembrei que, uma vez, por brincadeira, talvez, ela mencionou: "já que não nasci aqui, espero ser enterrada em Berlim". Foi por isso... – calou-se por uns minutos. Depois continuou: - Foi por isso que eu decidi que fosse aqui. Também não poderia deixá-la separada de nosso filho, já que eles morreram juntos, abraçados...

Total silêncio.

Algum tempo, sem saber exatamente que assunto puxar, o senhor arriscou:

- Não sei se os pais dela conseguiram vôo pra cá. Está tudo lotado, congestionado... Precisei fazer quatro escalas e... Eles reclamaram muito. Queriam que o corpo da filha fosse para o Brasil.

- Que se danem eles!!! – gritou revoltado. – Eu decidi pelo que ela queria!!! Já está feito!

- Calma, Diogo. Não precisa se alterar. Ninguém o está criticando nem...

- Pai!... O senhor não sabe como eu estou. Perdi minha mulher, meu filho!... Minha vida acabou. Nada faz sentindo. Daqui a dois meses o Raphael iria completar dois anos. Eu sou capaz de escutar seus gritinhos, seus passos, o barulho dos brinquedos... Ouço os desenhos animados que ele assistia, sem que a TV esteja ligada e, quando vou lá... Tudo acaba. Não tem nada ligado. Toda noite eu entro no quarto dele e tenho a impressão de que ele está deitadinho, dormindo... mas, quando olho direito para a cama... – Diogo tinha lágrimas incessantes correndo pelo rosto quando um soluço embargou sua voz. – Como se não bastasse... Vou me deitar e ainda sinto o perfume da Ceres que está no travesseiro, no nosso quarto, nas nossas roupas, na cama toda... Eu a procuro, mas não a encontro do meu lado. Às vezes acordo e acho que foi tudo um pesadelo, só que quando a procuro, ela não está. – Parecendo atordoado, silenciou por uns instante. Depois, mais brando, contou: - Ontem eu cheguei aqui e escutei um barulho vindo lá do meu quarto. Pensei que fosse ela. Aliás, havia me esquecido que não estavam mais aqui e... Corri lá pra dentro. Ouvi algo no banheiro e... Parecia que o banheiro estava quente, úmido... O aroma dos seus cremes, o cheiro do sabonete... Era como se a Ceres tivesse acabado de sair de lá.

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