Prólogo - Vazio

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P.O.V Mare

Um fato curioso sobre uma situação traumática é que o seu corpo simplesmente para. Você não sabe exatamente qual a sua reação naquele momento, ou o que exatamente aconteceu, porque é como se o seu corpo parasse. A sua única memória é a dor. E você só se lembra da dor porque ela não vai embora. A dor, é o que você vai pensar, é a única coisa que vai continuar na sua vida depois que aquele momento passar. Mas isso não é a verdade. O que vai continuar na sua vida é o vazio.

O vazio vai se instaurar no seu peito e nunca mais vai sumir. A dor vai se transformar no vazio. E você vai achar que nunca mais vai sentir nada novamente. Que tudo vai ser temporário. Que você nunca mais vai querer se apegar a nada, porque vai ter medo de ser tirado de você tão abruptamente novamente.

Quando a notícia da morte do meu marido chegou até mim, o meu mundo perdeu o chão. Eu lembro que estávamos em festa, pois a minha irmã mais nova havia conseguido uma vaga na faculdade e todos estavam na minha casa comemorando. Mas então, um oficial chegou à minha porta com a bandeira de Norta dobrada nas mãos, com uma medalha sobre ela e eu soube exatamente o que aquilo significava. O meu grito irrompeu o som das conversas e da música. Shade, o meu irmão mais velho, não foi rápido o suficiente para me amparar antes que os meus joelhos tocassem o chão. Mas foi ele que ficou ao meu lado quando a dor tomou conta de mim.

Fazia cinco anos que eu havia tido o melhor dia da minha vida. Havia me casado com Maven Calore, o homem dos meus sonhos. Fizemos uma cerimônia simples, apenas para os familiares, no quintal da casa dos pais dele. E foi um sonho. Minha família estava feliz com a nossa união, a família dele também, até mesmo o irmão mais velho de Maven, Cal, estava feliz no nosso casamento.

E durante aqueles cinco anos, nós fomos um casal feliz. Aproveitamos o nosso tempo o máximo que podíamos. Fazíamos todos os programas mais clichês possíveis: íamos ao cinema, ao parque de diversões, andávamos de bicicleta juntos, planejávamos jantares românticos, e até mesmo fazíamos maratona de filmes de terror na nossa sala – sempre terminava com uma guerra de pipoca, ou de doces, que era sempre resolvida com beijos de paz.

Antes de partir pela última vez, eu e Maven havíamos planejado nosso primeiro filho. Ele ficaria nove meses longe, e nesse meio tempo, eu pararia com os contraceptivos e faria acompanhamento para garantir que estaria tudo normal quando tentássemos. Antes de partir para a última missão, a missão que tirou a vida dele, nós havíamos feito uma ligação de vídeo e conversado sobre planos para quando ele retornasse. Eu lembro que ele estava contente, pois era a última missão dele, e em breve ele estaria em casa, e nós poderíamos voltar a fazer os nossos programas clichês.

Mas algo deu muito errado. E o Maven voltou em um caixão com a bandeira de Norta sobre ele. Eu recebi uma medalha em sua homenagem, mas eu trocaria todas as medalhas do mundo, se eu pudesse abraçá-lo uma última vez. Mas eu não tinha aquele poder. Ninguém tinha.

Estavam completando três dias desde o ocorrido, e desde então, o meu irmão mais velho e a namorada, Farley, montaram acampamento na minha casa. Eu não me importei. Na verdade, se eles não insistissem em tentar me fazer comer alguma coisa, eu não saberia que eles ainda estavam na casa.

O vazio que começava a instaurar-se em meu coração, não me permitia importar-me com mais nada. Eu não ouvia, não via, não sentia. As horas passaram, mas eu não dei importância. Os dias passaram, e eu não vi. Os sons haviam sumido. A cor havia sumido. A vontade de viver havia sumido. Nada mais importava.

Eu não sabia quantas horas eu havia chorado e gritado. Eu não sabia quando eu havia parado, e nem quando eu havia pego no sono. Mas quando acordei, era madrugada, e eu me levantei da cama e saí à procura do Maven. O Shade, foi o único a perceber que eu havia sumido, e foi atrás de mim. Eu nunca vou esquecer a expressão que tomou o seu rosto quando lhe disse que estava procurando pelo Maven. E nunca vou esquecer a dor em sua voz quando ele disse que o Maven não ia voltar.

Não sei quanto tempo o Shade passou abraçado comigo enquanto eu tentava digerir a informação. Não sei se voltei a gritar ou a chorar. Mas foi naquele momento que o meu corpo desligou, foi naquele momento que eu me tornei vazia. E, lá no fundo, eu sabia que nada poderia preencher aquele vazio. Absolutamente nada.


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