Capítulo III

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Júlio abriu a porta do seu escritório na Almirante Reis e acendeu a luz. Inspirou fortemente e sentiu um cheio estranho, um bafo a mofo. Ciente do estado em que estava caiu na realidade da imundice e desdém do estado em que vivia. Tinha deixado de ter empregada em casa, não havia empregada no escritório e andava com a mesma roupa por dias e por passar a ferro. Olhou à sua volta antes de decidir o que fazer e reparou o estado miserável do seu escritório: uma secretária velha contra a parede com um candeeiro e um computador em estado obsoleto e um quadro da sua antiga família. Na outra parede, um sofá velho onde tantas vezes se embebedou e acabava por adormecer, acabando mais tarde por vomitar o chão ou na sanita da casa de banho ao fundo do corredor.

Pousou o dossier em cima da secretária e sentou-se no chão, no centro do seu escritório. À sua frente, um saco do Pingo Doce com duas garrafas lá dentro: uma de JB e outra do mais puro vodka. Tirou as duas garrafas lá de dentro e colocou-as à sua frente. Abriu primeiro a garrafa de vodka e cheirou o conteúdo, voltando a pousá-la à sua frente. De seguida fez o mesmo ritual com a garrafa de whisky. Levantou-se devagar e foi buscar o dossier que Eunice lhe tinha entregue no Jardim da Estrela e voltou a sentar-se à frente das garrafas, olhando para elas fixamente. Lentamente abriu o arquivo e pousou o olhar neste, dando de caras com uma fotografia da sua família, da cena do crime. Sem dar por isso, pegou na garrafa de whisky e levou-a à boca. Os lábios humedeceram-se e de uma só vez bebeu vários goles de álcool. Fez uma careta feia, levantou-se com a fotografia na mão e a garrafa na outra. Os restantes documentos do dossier espalharam-se pelo chão. Cambaleou a olhar para a imagem até ao sofá e caiu nele. Bebeu mais uns tragos de whisky até apagar por completo enquanto as suas lágrimas escorriam pelo rosto…

O telemóvel começou a fazer um barulho estridente que quase rebentavam com os tímpanos de Júlio. Acordou enquanto balbuciava algumas asneiras e olhou para o relógio. Já tinham passado quase 24 horas desde o último momento que se lembrava, que olhava para a fotografia do massacre da sua família. Pouca luz entrava pela janela apesar de o estore estar a meia altura e apalpou o sofá à sua volta até encontrar o telefone.

- Estou? – disse Júlio de forma rouca.

- Sr. Júlio, é a Eunice! Algo me persegue há dias, não sei o quê. Preciso que tome nota desta referência, ouro azul!

- Não estou a entender nada Sra. Eunice, acabei de acordar.

- Ouro azul, tome nota disto, tenho que ir! Boa sorte!

- Ouro azul? Mas o que é isso Sra. Eunice? Não vá, espere um pouco e explique-me isso! – mas a chamada desligou-se e Júlio ficou a ouvir o vazio.

Num ápice levantou-se, pegou na garrafa com o resto de whisky e na de vodka que ainda se encontrava no centro do escritório. Saiu porta fora e furiosamente foi à casa de banho do andar. Despejou as duas garrafas, lavou as mãos e passou a cara por água. Voltou ao escritório e pegou na fotografia que da sua família e pousou-a na secretária. Deu uma volta ao escritório e apanhou a documentação toda que constava no dossier que a Eunice lhe tinha entrega. Juntou tudo cuidadosamente, pegou na fotografia e dirigiu-se à porta. Olhou para trás e prometeu a si mesmo nunca mais voltar aquele local, teria algo para viver, saber o que aconteceu à sua família e seguir em frente na vida.

Quando entrou em casa já era tarde. Foi ao seu quarto onde dentro do roupeiro tinha um cofre onde guardava uma arma e alguns documentos já sem importância. Marcou o código e guardou o dossier lá dentro. Foi à sala, pegou no lixo todo, abriu as persianas e começou numa limpeza profunda à sua casa. No fim das limpezas decidiu dormitar um pouco e até estranhou o cheiro a a alfazema nos lençóis lavados da sua camada. Ao fim de umas horas de sono já o sol raiava e despertou de uma forma enérgica e motivadora, algo que não acontecia há muito tempo. Com o frigorífico vazio decidiu ir tomar o pequeno almoço longe dali, mas não sem antes pegar no dossier e encher-se de comida. A fome passou a fazer novamente parte da sua vida!

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