Capítulo X

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«19 de Setembro de 1923:

Gostava de poder trabalhar mais na minha área, mas torna-se complicado poder exercer. Cada vez passo mais tempo na cozinha ou na lavandaria. Estou mais que proibida de entrar em qualquer quarto de qualquer paciente ou exercer contacto com as outras enfermeiras residentes. Os gritos dos pacientes cada vez são mais audíveis e durante o dia inteiro, já não se resumem só à noite. Penso que só quando estão sob o efeito de algum sedativo ou outro tipo de droga é que não fazem barulho, encontrando-se em repouso absoluto.

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14 de Dezembro de 1923

Cada vez mais me sinto uma prisioneira no Hospício. Pedi uns dias para ir passar o Natal a casa, poder ver a família e descansar a cabeça mas não me deixam. Desculparam-se que têm pouco pessoal e o trabalho é maior porque os pacientes não estão melhor. Todas as noites me trancam no quarto, tenho direito a 5 bolachas, uma caneca de chá quente e ao meu bacio. Depois abrem-me a porta logo cedo, como algo rápido na cozinha e vou logo para a lavandaria. Passo o dia inteiro a lavar roupa e lençóis, alguns deles encharcados em suor e sangue. No outro dia vinha um bilhete no bolso de umas calças de pijama, só dizia: "preciso de ajuda, preciso de ir à Ilha da Lua!". Claro que não sei o que é a Ilha da Lua nem onde fica, mas também não me atrevo a perguntar a ninguém.

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04 de Janeiro de 1924

Acho que hoje morreu alguém, pela conversa através da porta do meu quarto apercebi-me que um paciente tinha morrido durante a madrugada, só não percebi quem e como. Depois, pela minha janela, apesar da chuva bater intensamente, consegui perceber que dois monges transportavam algo dentro de um saco escuro, podia perfeitamente ser o cadáver do paciente. Vou pedir para ir embora, quero ir para perto da minha família, tenho saudades deles e este ambiente é horrível. Tenho enviado cartas à minha família e não tenho obtido respostas, presumo que o Director não leve as cartas para a estação dos correios. Se não me deixarem ir, vou tentar fugir...

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16 de Janeiro de 1924

Agora passo o tempo trancada na lavandaria. O Hospício está a ser tomado por monges, são eles que estão cá o tempo inteiro e estão nos quartos com as enfermeiras e os pacientes. Desconfio que estejam a fazer algum tipo de exorcismo, tenho medo, muito medo de estar aqui. Recusaram-se a deixar-me ir para casa, não me deixam sair para lado algum. Estou a pensar em fugir daqui mas não posso escrever no meu diário, tenho medo que o apanhem e fico sem qualquer alternativa para regressar a casa. Deus me ajude e me acuda!

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14 de Fevereiro de 1924

As enfermeiras morreram, sou a única no hospício, e também já não vejo o Director há alguns dias... Agora só há monges por tudo o que é sítio. À noite vagueiam com incenso e falam de rezas pelos corredores, presumo que estejam a afastar espíritos ou algo do género. Hoje chegaram mais dois pacientes, mas não tenho contacto com eles, mas os gritos persistem a toda a hora. Acho mesmo que os monges fazem exorcismos com os pacientes, se calhar são padres ordenados e o hospício é uma fachada para algo muito mais... sinistro e macabro.

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25 de Fevereiro de 1924

Depois do que se passou hoje, esta semana vou tentar a minha fuga, possivelmente será uma das minhas entradas neste diário. Se conseguir escapar irei escrever mais algumas palavras e denunciar este local horrível! Caso contrário, não escapei deste local maldito com vida... Logo de manhã, tinha acabado de tomar o pequeno almoço e ainda estava no hall de entrada. Ouvi um enorme reboliço no andar de cima, vinha da zona dos quartos dos pacientes, uma porta a bater com imensa força e uns gritos pelo meio. Passos de corrida e um paciente pára no cimo das escadas. Vinha com os olhos revirados, com a retina toda branca e a espumar sangue da boca e gritou palavras de uma língua estranha, que nunca tinha ouvido falar, sempre com um tom de voz rouco, forte e másculo! De seguida, antes que os monges conseguissem alcançá-lo, tirou uma faca da parte de trás das calças e rasgou a própria garganta. Um esguicho de sangue atingiu o fim das escadas enquanto o corpo caiu estrondosamente no chão. Os monges chegaram tarde ao paciente e este ficou sem vida, com o olhar a fitar o vazio. Gritei com o sucedido e um monge que passava junto a mim quando isto sucedeu arrastou-me até à lavandaria, fechando-me ali durante horas. Não tive trabalho, vieram-me buscar e trancaram-me no quarto, e agora escrevo estas palavras. Tenho um péssimo pressentimento para esta noite!»

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