Após entrar no edifício, Júlio dirigiu-se a uma pequena secretária de madeira onde um indivíduo que aparentava ter os seus cinquenta anos palitava um dente e lia o jornal desportivo do dia.
- Bom dia, venho ter com o agente Antunes, tenho uma reunião marcada e não sei onde o posso encontrar.
O porteiro fez uma careta feia por ter sido interrompido na sua leitura e olhou de soslaio.
- Procura quem? - questionou com uma má disposição notória.
- Agente Antunes - responde Júlio com um ar desesperante face à falta de vontade do recepcionista.
- Inspectora Mariana Antunes ao seu dispôr - surgiu uma voz feminina e forte vinda da entrada do prédio, ecoando pelo hall.
Júlio virou-se supreendido pela resposta, mas mais surpreendido ficou com a agente com quem se ia encontrar. Uma mulher, na casa dos seus trinta e muitos anos, com cerca de um metro e setenta, morena, cabelos escuros compridos e um pouco encaracolados, com olhos castanhos escuros e profundos. Vestia uma camisa verde que ficava por cima de uma saia preta justa que terminava acima do joelho. Usava uns mocassins pretos sem salto, o que lhe acabava por dar um ar simples. Não usava maquilhagem nem qualquer brinco ou colar, embora tivesse as orelhas furadas. Dirigiu-se na sua direcção e estendeu-lhe a mão para o cumprimentar.
- Presumo que seja o Júlio.
Sim, exactamente - cumprimentou com um aperto de mão quente e forte. Não esperava a figura que se apresentava à sua frente e ficou um pouco perdido sobre o que dizer.
- Sim, sou eu mesmo - respondeu sem saber o que mais acrescentar.
- Ainda bem que decidiu vir. Sou colega do Inspector Delgado Martins e decidi vir até cá a cima falarmos um pouco, já que mostrou pouca disponibilidade de regressar até Lisboa.
- Sabe, é que estou a trabalhar - tentou desculpar-se Júlio.
- Humm, hum, sim, isso foi-me dito. Podemos subir e falar um pouco mais?
- Sim, claro - anuiu Júlio, seguindo a Inspectora até a uma sala no primeiro andar, longe do reboliço dos escritórios, do barulho das pessoas a conversar e os telefones a tocar. A Inspectora abriu a porta da sala, que se encontrava muito despida, só continha uma mesa circular e quatro cadeiras a rodeá-la.
- Pelo desculpa, pode ir entrando que preciso de ir buscar a minha pasta. Quer tomar alguma coisa? Se calhar um café?
- Sim, um café vem a calhar bem.
Júlio entrou e foi espreitar à janela enquanto aguardava o regresso da Inspectora Mariana. O sol espreitava entre as nuvens, mas parecia-lhe que não ia durar muito tempo e o dia estava mais frio. Esperava poder terminar ali depressa para regressar a Lisboa para poder organizar as ideias. Não trazia muita coisa nova para explorar a não ser o medalhão, tinha que descobrir algo mais senão ficava num beco sem saída.
Alguns minutos foram passando até que a Inspectora regressou e colocou uma pasta verde em cima da mesa e convidou-o a sentar e um tabuleiro com dois cafés. Após os dois estarem sentados e a bebericarem o café em silêncio a Inspectora decidiu que seria melhor tomar as rédeas à conversa.
- O que lhe vou falar é um assunto sensível e gostariamos de ter a sua opinião. Aviso-o que poderá mexer consigo sentimentalmente, se desejar abandonar esta reunião a qualquer altura é livre de o fazer... - falou um pouco a medo.
Júlio pensou durante alguns segundos e analisou a expressão da Inspectora, que mostrava apreensão e impaciência, pois os seus dedos tamboreavam o cimo da pasta, fazendo um barulho irritante.
- Tem a ver com a minha família? - perguntou bruscamente - com o homicídio?
- Sim, mas também há mais - respondeu misteriosamente.
- Diga-me então o que tem, se faz favor.
- Foi encontrada mais uma família assassinada, agora no norte de Espanha, na Galiza. Mas o curioso é que a polícia espanhola encontrou um papel amarrotado dentro de uma meia de uma das vítimas, como se estivesse a esconder de quem lhes fez aquilo.
- E o que é que o papel continha? - perguntou curioso.
- Um nome e um número de telefone - respondeu a Inspectora de forma misteriosa enquanto desviava uma madeixa de cabelo da frente do seu rosto.
- E não me vai responder ou é segredo?
- Eunice Antunes - e completou a informação do número de telefone.
Júlio ficou boqueaberto pela surpresa que teve e sem qualquer capacidade de reacção ou resposta, perante o nome.
- Tentámos entrar em contacto com a Senhora Irene Antunes, mas está desaparecida. Obtivemos a lista das últimas chamadas e o seu nome consta nela... Tem alguma explicação para tal, tem alguma coisa a ver com o seu trabalho mais recente?
Júlio recostou-se na cadeira e fechou os olhos, inspirando fundo. Estava a ver a sua vida confusa e sem chegar a qualquer conclusão e agora via-se envolvido neste novo homicídio. Após reflectir durante alguns momentos decidiu que o melhor seria tentar cooperar e até podia ser que obtivesse alguma informação.
Júlio contou tudo, o encontro com a Eunice, a informação que ela lhe prestou e a visita ao Hospício, no entanto, omitindo o encontro com os monges e os objectos adquiridos.