Já com a barriga cheia e o apetite saciado Júlio já se encontrava preparado para finalmente abrir em definitivo o dossier e poder friamente analisá-lo. Estava frio na esplanada do Hotel do Chiado, mas pelo menos não chovia nem estava vento. Os papeis foram passando pelos seus olhos e as fotografias friamente analisadas, algumas bem antigas. Essas fotografias eram sempre de elementos de família, um dos país e dois filhos mortos na sala. O método utilizado, sempre variado: uma estaca no coração, enforcados, trespassados por uma faca ou machado, baleados ou mortos com droga. No total, Eunice tinha encontrado dezanove mortes por todo o mundo, quatro em Portugal, dois em Espanha, Brasil, entre outros. Motivo para o crime, desconhecido. Em todos os casos eram sempre dois filhos, mas tanto variava a mãe ou o pai, um deles sobrevivia.
Além das fotografias havia algumas cópias de relatórios de polícia, o mais antigo de 1935 mas também nada falava de especial. Motivo desconhecido, entrada nas casas sem ser forçado, embora o crime fosse violento não havia provas para identificar qualquer suspeito. Teria que ir investigar o que seria o Ouro Azul, que Eunice lhe tinha falado, mas para isso tinha que ir à Internet e tentar falar com o Sérgio, um antigo amigo da sua mulher que tinha uma pequena ourivesaria em Queluz.
Mais uma vez olhou para a fotografia da sua família chacinada e decidiu que era hora de achar um posto de internet, sabia que havia para a Rua 1º de Dezembro um quiosque de uns indianos. Reuniu as outras fotografias e quando as ia guardar reparou que numa delas havia uma pequena anotação a lápis no verso: Hospício das Chamas.
- Hospício das Chamas? Nunca ouvi falar - questionou-se a si próprio Júlio - Algo que tenho que também ir investigar.
Desceu no elevador e num ápice chegou à Rua 1º de Dezembro. Sentou-se ao computador e abriu o Google.
Ouro azul, nada aparecia no motor de busca, teria então que falar com o Sérgio.
Hospício das Chamas, e depois Enter. Somente um único artigo aparecia na pesquisa e Júlio decidiu abrir a página. O link remetia para um artigo curto sobre um antigo sanatório situado no meio da Serra Peneda Gerês, num local de difícil acesso. Em pleno 1920 tinha sido criado um Hospício para tratar alguns doentes que apareceram no norte do país e na Galiza, de origem desconhecida. A doença era essencialmente do foro psiquiátrico e as pessoas ficavam totalmente perturbadas de forma a que deixava de comer, ficavam obcecada pela auto-mutilação e veneravam a Deusa Paquita. Segundo reza a crença, a Deusa Paquita, de origem extra-terrestre seria a divindade que iria libertar a Humanidade da avareza, inveja, egoísmo, corrupção e outros pontos negativos da sociedade. Os seus seguidores teriam que adorar a Deusa, através da auto-mutilação e privação alimentar por longos períodos. Em datas concretas, com um sacrifício humano uma catástrofe supostamente da natureza iria alterar e purificar o planeta e a raça humano, levando-a quase à extinção.
No fim do artigo apareciam duas fotografias a preto e branco: a primeira era do Hospício com duas pessoas abraçadas e a sorrir para a fotografia, dois homens de bigode e boné. A segunda era uma fotografia tirada à distância do Hospício com mais algumas casas à volta, mas deserta. Nesta segunda fotografia aparecia uma leganda: grande incêndio termina com o Hospício das Chamas.
"Curioso, o Hospício teve um final alusivo ao seu nome..." - pensou Júlio.
- Está na hora de ir visitar o Sérgio e tentar saber o que é o Ouro Azul!