Uma geração que não cultua mais seus mortos

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As vezes sinto uma proximidade e um bem estar muito maior com ancestrais que já se foram a muito tempo, do que com familiares que se sentam ao meu lado em uma ceia. É como se a raridade do sangue fosse perdida ao longo dos anos, como se cada um sentado a minha volta fosse uma cópia barata dos sonhos que nossos antepassados possuíam para sua prole. 

Quem nasce em uma família que teve uma origem humilde e sofrida normalmente já conviveu com pessoas mais velhas que foram maturadas pela vida dura, que possuíam seus defeitos, seus preconceitos, mas eram verdadeiros guerreiros e almejavam um futuro melhor para seus filhos e netos. E incrivelmente, ao conseguirem esta vitória de educar e criar os filhos da melhor forma possível tornando a vida mais branda o possível no presente, os ancestrais são apagados da história familiar da forma mais cruel existente, tendo suas imagens cada vez menos relembradas e homenageadas pela geração presente.

Uma geração que alcançou todo o sucesso material possível mas interiormente são fracassados eternos, viciados no momento, vivendo suas vidas da forma mais simples e medíocre, passeando nos shoppings com as crianças, indo para a praia tirar fotos com seus sorrisos forçados. Infelizmente a cria, fruto de um passado de muita dor e suor, alcança o topo do mundo para desperdiçar as oportunidades vivendo em um cativeiro da mesmice. 

Ao longo do tempo as memórias dos antepassados vão sendo guardadas e esquecidas nos fundos dos armários, vez ou outra alguma passagem é relembrada em uma conversa a mesa de jantar. Alguma história carregada de importância, significado, ensinamentos para uma geração, e são estas histórias que me ligam cada vez mais com pessoas mortas as quais eu nunca conheci, gerando um asco profundo para com os vivos que se alimentam ao meu lado.

Antigamente as festividades eram dotadas de um ar solene inigualável, o momento para reunir a família, aproveitar aquela ocasião para o descanso do corpo, gozar um pouco daquela fartura conquistada a duras penas, preparar a mente e o espirito para a próxima caminhada tortuosa que viria por seguir. Estes ritos familiares tinham um motivo, possuíam um significado, fortaleciam a família, conversas enriqueciam uns aos outros, causos e histórias eram passadas de geração para geração, sem dúvidas era um momento mágico que ao ser visto pelos olhos de um garoto faria com que seu pequeno coração desejasse que aquilo nunca tivesse um fim, alimentaria seu sonho de um dia ser como uma daquelas pessoas ali presentes, ser forte, honrado, uma criatura complexa a qual só a vida poderia forjar. 

Hoje em dia estes ritos não possuem mais o mesmo significado, são apenas datas vazias onde parentes distantes se reúnem para esperar o tempo passar. As datas marcadas no calendário praticamente se tornaram uma obrigação, perdendo completamente o ar de festividade, se estes momentos do presente fossem registrados por um pintor, com certeza a tela seria preenchia com tons opacos e sem vida, sem alegria. Apenas mais uma obrigação de uma vida automática e volátil a qual fora criada por uma geração que não cultua mais seus mortos.

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