Sentença Celeste

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O vento soprava ao leste, carregando consigo o mais denso odor da cidade dos homens, sem dúvida alguma um cheiro que desafiaria o mais apurado dos olfatos a destrinchar sua complexidade. Uma somatória de fragrância caóticas geradas a partir da poluição advinda da atuação humana que se mesclava a um fraco odor de chuva, que caíra recentemente sobre o asfalto quente.
O cheiro provocara as narinas de qualquer um que fosse estranho a tal o dor, mas não era preciso muito tempo para que os sentidos se acostumassem com tal agressão e que por fim entendesse que aquele era a transpiração de uma metrópole, que se encaixava perfeitamente no estereotipo de "cidade do futuro".

Sobre o terraço de um prédio antigo, localizado no subúrbio decadente de tal cidade, uma figura exótica permanecia estática, confrontando as ondas gélidas do vento noturno. A construção não ultrapassava os dez andares, devia estar abandonada a no mínimo cinco anos em decorrência de uma crise imobiliária que abalou os mais diversos pontos da cidade, transformando assim antigas áreas com potencial de desenvolvimento em subúrbios decadentes. Agora a construção abandonada era utilizada como refugio para moradores de rua e usuários de droga, que se recolhiam durante a noite após terem vagado pelas ruas em busca de uma forma para alimentar seu vício.

O ser que se localizava ao topo do prédio era uma figura masculina, de estatura mediana, não passava de um metro e setenta de altura, seu semblante carregava as marcas do tempo, rugas acusavam que sua idade já alcançara a casa dos 70. O cabelo branco, raspado, acompanhava seu semblante em desmascarar sua idade, os grandes olhos amendoados e negros possuíam um olhar pesado, carregado, como se estivessem testemunhado uma vida de sofrimentos e amargura. Trajava um surrado blazer cor madeira sobre uma camisa branca que estranhamente ornavam com a calça social preta a qual vestia. Nos pés uma bota de couro que não deveria ser lustrada a um bom tempo. A postura se assemelhava a uma homem que suportava fardos colossais sobre as costas, os ombros levemente posicionados para baixo pintavam um sentimento de cansaço e desistência em seu corpo, como se a possibilidade de um futuro fosse apenas uma ideia antiga e tola.

O homem misterioso encarava a avenida sob seus pés, embora a região estivesse por um período de decadência, o tráfego de pessoas durante a noite ainda permanecia aquecido. A longa avenida, localizada adjacente ao prédio em questão, se estendia até o horizonte quando seus detalhes não mais eram vistos, durante todo esse trajeto diversas construções antigas,semelhantes ao prédio abandonado, eram enfileiradas. Algumas casas ainda abrigavam seus antigos donos, que insistiam em permanecer em suas propriedades até a morte.

Mas de todas as construções que podiam ser observadas, de cima do terraço, duas chamavam à atenção do ancião de blazer cor madeira. Uma bem próxima a sua localização, praticamente debaixo de seus pés, uma antiga igreja católica. O prédio era uma típica construção religiosa, seguia todos os padrões os quais uma igreja deveria ter, uma escadaria de tamanho médio levava até um portal oval o qual dava entrada para a casa de deus. Dentro dos portões de ferro da igreja e ao lado da escadaria, uma alta torre medindo por volta de seus 25 metros, sustentava um velho sino que apenas soava suas badaladas em datas comemorativas para a religião. E é claro sobre o teto da construção uma outra torre se erguia, á uma altura ligeiramente maior do que a torre do sino, exibindo a todos uma cruz de concreto.

Curiosamente, durante aquela noite, uma missa era regida sobre o teto daquela construção religiosa, o que provavelmente era o motivo pelo qual o velho homem fixava a sua atenção no prédio. De cima do terraço a vista permitia que o velho homem enxergasse as pessoas que participavam de tal cerimónia, pelas grandes janelas adornadas na lateral da igreja, uma pequena quantia de fiéis podia ser vista participando do rito religioso.

O outro ponto que dividia a atenção do velho homem, se localizava alguns metros da igreja, três quadras para ser mais preciso. A construção se assemelhava a uma casa noturna, talvez um bar que resistira a decadência, talvez uma casa de shows ou até mesmo algum tipo de inferninho. Apresentava uma fachada simples, sem nenhum nome exposto, bem a sua frente alguns grupos de clientes se dividiam sentados em mesas de madeira. Ao todo deviam ser por volta de vinte e cinco pessoas que visitavam o local naquela noite, um número razoavelmente pequeno, mas sem dúvida muito maior do que o de fiéis dentro da igreja.

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