Rascunhos do Vazio
Eu sou a garota sentada na varanda vendo a vida passar.
Sou a garota que estuda em casa por medo e vergonha de ser vista demais.Quem leria algo sobre alguém que vive afogada na monotonia dos dias lentos? Que se afunda na própria desgraça sem conseguir emitir um som? Que tem como maior parte da rotina a dor? Ela está na fisioterapia, nas consultas emocionais com Dr. Lucas, nas aulas da Dona Celeste e na vergonha de um banho com a Carole.
Nem eu leio o que escrevo neste diário, cheio de poesias e rascunhos sobre o meu próprio vazio.
Minha mãe queria algo feliz, mas tudo que escrevo é sobre o buraco escuro que habita minha alma.
Nem ela leria — se decepcionaria a cada linha.Se você me visse antes, talvez me amaria.
— O que você tem feito essa semana? — pergunta Dr. Lucas.
— Apenas respiro.
Ele franze o cenho, anota alguma coisa no caderno pequeno.
Então espera.— Tenho ido para vários cenários na minha mente — digo, quebrando o silêncio.
— Criar cenários não é bom quando a realidade é evitada demais, Sol.
— Poderia me ajudar a conseguir controlar a crise de pânico mais rápido? Já tem nove meses que vivo com isso...
Ele se inclina um pouco, a voz mais baixa:
— Você tem feito o que combinamos? Os cinco passos?
— Tento. Alguns dias consigo o primeiro, no outro nem levanto da cama.
— Isso já é alguma coisa. Não vamos acelerar sua dor. Vamos entender sua dor. Ela está dizendo algo. Escute.
Fecho os olhos. Tento escutar o que meu corpo diz, mas o que ouço é medo. Sempre ele.
Depois da consulta, empurro minha cadeira até a cozinha — os braços trêmulos, como se cada movimento precisasse vencer o peso do medo que carrego.
Tito está de pé, tomando café.
— Tio... — digo, e minha voz falha antes de ganhar força. — Eu gostaria de tentar algo. Gostaria de sair... mas sem as vendas nos olhos. Sem os fones. Eu quero tentar ser normal, apesar da deficiência que me mata por dentro.
Ele me olha por um instante longo demais. Os braços cruzados. A xícara parada na metade do caminho até a boca.
— Você tem certeza? — pergunta ele, sério, mas com algo a mais nos olhos. Não sei o que é. Medo, talvez.
— Tenho. Eu quero tentar. Nem que eu só aguente um minuto. Mas quero tentar.
Silêncio.
— Temos uma festa pra ir... o senhor esqueceu?
Ele pisca algumas vezes, como se voltasse de um pensamento distante.
— Não esqueci. Só não achei que você realmente fosse querer ir.
—O senhor praticamente me deu um ultimato.
Ele abaixa os olhos, como se sentisse arrependido.
—-Quero ir na livraria antes. Preciso escolher um presente.
Ele arqueia a sobrancelha.
— E ela gosta de livros?
— Gosta.
— Aquela menina... Lumar, né? — Ele coça o queixo. — Ela foi legal aquele dia... ficou com você enquanto eu fui buscar seus avós. Achei bonito da parte dela.

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Eu Sou SoL
RomanceSoL, uma jovem de 17 anos, tornou-se paraplégica aos 16 e, desde então, encontra refúgio em seu quarto, isolando-se do mundo exterior. A ausência de afeto romântico e a inexperiência de um primeiro beijo pesam sobre ela. No entanto, o destino reserv...