"A professora"

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          Após a mãe de Halley insistir que as duas levassem maçãs para comer no caminho, Halley saiu pronta de sua casa com Donnye, ainda temendo que sua amiga se manifestasse como um demônio e partisse para cima dela; mas nada aconteceu em todo o caminho. Elas andavam pela rua, enquanto Halley colocava sua maçã na bolsa (já que não iria comer), e a brisa de outono batia no rosto de Halley, de um modo que nunca havia sentido... desde que ela vivenciara aquele dia antes.

- Donnye...

- Oi, Hallie - Donnie respondeu, virando-se para Halley e chamando-a pelo apelido de infância.

- Já que você é tão mais conhecedora do que eu nesses assuntos de lendas e mitos...

Por um momento, Halley pensou em hesitar por medo da resposta e da reação de Donnie, mas Donnye imediatamente insistiu:

- Desembucha, Halley!

- Já ouviu falar sobre alguém chamado "Lilith"?

Halley esperava que Donnye se assustasse e mostrasse uma feição de surpresa, pelo fato de Halley ter desmascarado-a, mostrando que sabia que Donnye era só mais uma "fantasia" de Lilith para se infiltrar no meio dos humanos; porém não foi isso que aconteceu. Donnye abriu um sorriso e disse:

- Olha só quem está se interessando por esses assuntos! Nunca pensei que Halley Faithway fosse se interessar por assuntos pagãos. Mas sim, já ouvi falar de Lilith. Não sou expert no assunto, porque nunca procurei conhecer sobre ela a fundo, mas sei que Lilith era o nome de uma deusa cultuada na Mesopotâmia e na Babilônia e que alguns mitos judaicos diziam que ela foi a primeira mulher de Adão, que não foi submissa a ele e lutou pela sua liberdade.

- Interessante - respondeu Halley, sem muita empolgação na voz.

- Lamentável, não é? Desde sempre o patriarcado querendo que a mulher fosse submissa; gosto até de dizer que Lilith foi a primeira feminista, que lutou contra o machismo de Adão e se opôs ao seu pensamento de 'homem provedor', enquanto Eva foi a pioneira das "belas, recatadas e do lar". Lilith foi um ícone do empoderamento feminino nas lendas judaicas na minha opinião.

- E você acredita nessa história? - Halley perguntou, com o tom de voz trêmulo.

- Claro que não - Donnye respondeu - prefiro ver o conto de Lilith apenas como um conto favorável para se ter coragem para combater o machismo social. Me identifico muito com a Lilith... na verdade, penso que toda mulher deveria se identificar.

- Ahh, entendi.

- Mas por que desse seu interesse por isso?

Se foi sorte ou não, elas haviam chegado ao colégio e, imediatamente, Halley disse (para desviar o assunto):

- Olha, Donnye, pintaram o portão do colégio de verde!

- Halley, ele sempre foi verde. - Donnye respondeu, olhando para os olhos de Halley e sem entender as atitudes estranhas da amiga.

- Mas... é que... ãh... ele está mais verde, achei que haviam pintado.

Donnye pegou Halley pela mão e, após verificar a temperatura de Halley pondo a mão na testa da nefilim (se é que ela acreditava mais nessas coisas), conduziu-a para dentro do colégio, dizendo:

- Vamos entrando, Halley. Vou levar você na enfermaria.

- Qual foi, Donnye? Eu estou bem e, aliás, não posso me atrasar; temos prova de espanhol, não é?

        E Donnye assentiu. Elas subiram as escadas do colégio e, ao chegarem no andar superior, deram de cara com a sala de aula em que elas estudavam. Halley abriu a porta e viu todos os alunos já sentados em suas bancas, apenas esperando as duas chegarem. Halley pensou que receberia alguma reclamação da senhorita Hilda (a professora irritada de espanhol que só sabe gritar com seus alunos e falar de suas frustrações amorosas, além de descontar toda a sua raiva em cima de Halley) e que a professora não chegaria nem a entregar a sua prova, deixando-a sem nota. Entretanto, a senhorita Hilda veio correndo em direção a Halley com um grande sorriso no rosto e a abraçou; Hilda estava diferente, de bom humor, e com um olhar mais felicitado.

- Bom dia, Halley. Como você vai?

- Estou bem, senhorita Faithway - Halley respondeu, achando estranho o fato da professora estar agindo daquela forma - e senhorita, como está? Está mais feliz do que nunca.

- Estou muito bem. Quando não estou feliz? - Hilda de forma baixa.

          Algo estava estranho; Halley, então, enfiou sua mão direita em um dos bolsos de sua mochila e, retirando a maçã que sua mãe insistira que ela levasse, levantou a maçã à professora, oferecendo a fruta.

- Tome professora - disse Halley - sei que a senhorita ama maçãs.

Hilda agradeceu e, tomando a maçã da mão de Halley, comeu e disse:

- Muito obrigada, Halley, você me conhece muito bem. Amo maçãs.

Em fração de segundos, Halley afastou-se e jogou sua mochila no chão; ela arrancou um pedaço de madeira da porta que já estava solto e apontou para a professora Hilda, enquanto suas pálidas mãos tremiam e suavam de medo.

- Halley, o que você está fazendo?! Solte isso! - Gritou Donnye, em desespero.

Halley riu de tudo aquilo e disse para a professora:

- Bem que eu estava achando isso tudo muito estranho...

A professora, franzindo o cenho (aparentemente sem entender o que estava se passando) deu um passo para trás e com o tom de voz preocupado:

- Do que você está falando, querida? Abaixe isso, você vai se machucar!

- Cala a boca - disse Halley - você não é a senhorita Hilda. A senhorita Hilda nunca me trataria bem dessa forma e nunca, em hipótese alguma, aceitaria uma maçã, porque ela odeia maçãs assim como me odeia. Quem é você?!

Imediatamente, a senhorita Hilda riu com o canto da boca e tudo ao seu redor se desfez; todos os objetos se tornaram pó junto com os alunos, as paredes se tornaram cinzas, o chão ao redor de Hilda se rachou e o corpo de Hilda começou a borbulhar como água em ebulição. O corpo da professora começou a derreter e a pele começou a esticar, fazendo com que seu tamanho aumentasse e se seu rosto se deformasse. Quando Halley viu, a mulher estava inchando e tornou-se uma criatura obesa de olhos negros, de cabelos negros sobre o rosto e de pele esverdeada. A criatura começou a voar e disse com uma voz grossa:

- Parabéns, filha de Ephizael. Eu não sou sua professora, muito menos um mortal nojento como seus amigos são.

- Então quem é você?! - Gritou Halley, mantendo a estaca na direção da criatura.

- Eu sou uma dos demônios dos sonhos e dos pesadelos serventes de Lilith que se alimentam da energia que as pessoas emanam em seus sonhos; sou uma súcubo e me chamo Bangungot, rainha dos pesadelos.



As Asas de Um Anjo - Livro II da saga 'A Última Nefilim'Onde histórias criam vida. Descubra agora