Antes
Outubro
Inês
Estava um dia ameno de fim de verão, passava pouco das 10 da noite e eu estava sentada à janela a ler um livro. Supostamente falava de como não controlamos e nunca vamos controlar as nossas ações. Aquilo estava-me a pesar a alma e não tinha nem tabaco nem álcool em casa, a minha mãe estava fora para um trabalho e eu estava a começar a deprimir. Fui ver no grupo das minhas amigas se havia alguma festa neste sábado, pelos vistos, o privilégio tinha calhado à Lara. Vesti um vestido, pus um pouco de eyeliner juntamente com um batom vermelho provocante, peguei nas chaves e na carteira e sai de casa.
Lara morava a poucos metros de mim, no fundo da rua numa casa fina com uma piscina enorme. No segundo em que toquei à campainha dela arrependi-me. O que eu ía ali fazer? Alguém abriu a porta e eu entrei. Lá dentro o ar estava quente e pesado, cheirava imenso a tabaco e erva, tossi umas quantas vezes até me habituar. Depois de um tempo comecei a olhar á minha volta à procura de um amigo, um rosto conhecido, algum ponto de abrigo. Estranhamente nada me conseguia transmitir calma. Alguém gritou o meu nome e eu virei-me para trás quase derrubando um miúdo qualquer pequeno e magrinho.
-Omg! Vieste! -Lara estava já um pouco bêbada e o seu cabelo estava preso num rabo de cavalo alto e desengonçado. Devia ter acabado de fazer sexo. Perguntei me altivamente porque me dava com pessoas assim.
-As bebidas? -precisava de me sentir como elas, bonitas e normais.
-Cozinha, à direita, já sabes. -e riu-se alto, mas ninguém lhe prestou atenção porque a música neste momento estava tão alta que nem aos gritos eu a conseguia ouvir nitidamente.
Quando me ia embora, ela agarrou-me o braço e desajeitadamente desviou me o cabelo e aproximou a boca dela ao meu ouvido.
-O Vitor está lá dentro. -disse apontando para a porta da cozinha.- Aproveita querida.
Beijou me a bochecha e foi aproximando-se da pista de dança improvisada no meio da sala de estar. Começou a roçar-se a um rapaz qualquer do futebol e eu pensei que já fora assim e deu-me vontade de vomitar. Eu ainda era assim. Estereótipo de rapariga bonita e popular do liceu, eu encaixava tão bem nele e isso era errado de tantas maneiras. Sempre achei que era melhor que aquilo tudo, que era inteligente e isso me faria menos fácil e básica como a Lara que estava agora a fumar um cigarro enquanto um rapaz lhe apalpava o rabo. Mas não. Estava vestida como uma prostituta e o meu batom vermelho gritava "comam-me". Olhei a um espelho da entrada e tentei tirá-lo deitando cuspo para um lenço de papel metido no sutiã. Ele saiu mas eu ainda me sentia horrível. Bebida era isso que eu precisava. Segui até á cozinha e abri a porta. De cima do balcão estava o Vitor que balançava as pernas como uma criança e estava a beber uma friz. O seu cabelo castanho escuro estava despenteado como sempre e tinha umas calças de ganga e uma sweat de uma banda qualquer vestida. Típico, a querer afirmar-se. Olhei para ele e dirigi me ao lava loiças, molhei a cara para tirar o resto da maquilhagem.
-Ficas melhor sem nada na cara, sabias? Dá para te ver realmente. -disse o Vitor posicionando se ao meu lado.
-Que eu saiba, não te pedi opinião.
-Fiz questão de a dar. Porque te dás com estas pessoas de qualquer maneira? Tu és tão mais inteligente para saberes que aquilo são tudo cérebros ocos que só querem álcool e sexo.
-Eu só quero sexo e álcool. -disse eu tirando uma garrafa de vodka do frigorífico.
-Tu sabes que não. Aquilo do Tiago foi complicado mas há de passar. Isto. -disse tirando me a garrafa da mão.- Não ajuda em nada Inês.
Ele atirou a garrafa contra a parede fazendo com que pequenos vidros se espalhassem pela cozinha. E estava ali encolhida especada a olhar para ele.
-Agora vamos limpar isto para ninguém se magoar, está bem?
Eu acenei e começamos a varrer. Felizmente sabia onde ficava tudo naquela casa.
-Tu não sabes o que é o teu namorado morrer. -disse eu ao fim de um bocado- Não sabes o que é o teu namorado morrer e a última conversa que tiveste com ele foi discutirem porque ele traiu te com a tua melhor amiga. Eu não preciso de recuperar, eu preciso de esquecer.
Ele parou e olhou muito sério para mim. Eu acho que estava a chorar, mas não sentia tristeza. Acho que apenas raiva por ter tantas saudades de uma pessoa que me fez tanto mal. Uns anos antes quando eu o conheci achei-o o único ser humano prestável neste mundo. Mas umas horas antes de ele ter o acidente de mota mostrou me que durante meses eu não o conheci realmente. Pesava-me na consciência saber que ele podia estar tão mal pela nossa conversa que não viu o sinal de perigo e ter caído naquele buraco das obras. Toda a gente disse que a culpa não fora realmente minha, mas quem realmente sabe? Há tantas teorias sobre se somos relamente responsáveis pelas nossas ações e não há nenhum consenso. Por isso acreditamos no que nos dá mais jeito e no que nos faz mais feliz. Acreditar que não temos culpa e que há coisas que não podemos evitar seja lá por causa de deus ou do destino. E foi o que eu fiz. Mas se acredito realmente que não tive culpa? Claro que não. Eu tive culpa. Mas ele teve culpa também, e seja lá onde estiver agora, ele também o sabe, melhor que ninguém.
Limpei as lágrimas e olhei para o chão, estava tudo limpo.
-Está tudo impecável.
-Obrigada.
Virei costas e ia abrir a porta quando ele me parou.
-Queres ir comigo a um sítio?
-Já me passou a treta do sexo, lamento, hás de arranjar alguém por aqui de certeza.
Ele olhou para mim meio chocado, meio chatiado e finalmente tirou a chave do carro do bolso e disse:
-Tu vais comigo ver as estrelas Inês.
E eu fui. E vimos as estrelas, e falámos sobre os nossos sonhos e desejos, e contámos piadas, e ele emprestou me o casaco, e vimos o nascer do sol, e contámos os nossos segredos um ao outro e foi tudo lindo. E podia ter amado o Vitor, podia mesmo, mas já amava alguém que estava naquele momento a dormir em casa e a sonhar sobre cenários impossíveis e senti me esperançosa porque a pessoa estava lá e isso era me mais que suficiente.
![](https://img.wattpad.com/cover/126479491-288-k907950.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A minha escolha
Mystery / Thriller"A verdade não depende da história em si, depende apenas de quem a conta." Joana só quer encaixar na sociedade e quando conhece Inês, uma força da natureza, tudo parece certo. Até que Inês é assassinada tendo como única testemunha Joana. Ela ao ten...