Capítulo 8

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Agora

Outubro

Ricardo

Estava uma tarde de outono frio e nublado. O tempo combinava comigo e com a altura do ano. O Halloween era a altura mais esperada pela maioria da população jovem. Geralmente todos os anos eu e o Vitor ia-mos fazer merda para a cidade vizinha com o nosso vizinho da frente. Mas este ano, ele estava na universidade e estava sem tempo para aturar miúdos como nós. O Vitor tentou-me convencer a todo o custo irmos então sair á noite, mas já estava farto de sair e beber o que se tinha tomado uma constante de distração desde a morte da Inês. Preferi então ficar em casa a jogar até me deixar dormir enquanto ele ia embebedar-se e comer umas raparigas com o pessoal da nossa turma. Infelizmente a minha mãe tinha outros planos para mim. Ela e o meu pai iam jantar fora com uns amigos que estavam de passagem pela nossa cidade e precisavam de alguém para entreter a minha irmã e o filho dos seus amigos. Então, eles decidiram por mim, irmos os 3 fazer o "doce ou travessura".

Às 8 da noite estava eu vestido com uma capa preta que encontrei perdida no sótão, a minha irmã optou por um vestido de vampira que a minha mãe criticou umas 10 vezes antes de sair de casa e desejar-nos uma boa noite das bruxas. O miúdo do casal era um rapaz de 6 anos gordinho que adorava o batman e era tudo sobre o que ele falava. Até a minha irmã ao fim de um tempo começou a ignora-lo. Não demorou muito até ele começar a brincar com um pau a fingir que era uma varinha. No fundo, a infância estava a acontecer-lhe.

Percorremos 2 bairros até eu a ver. Joana vinha vestida normalmente e trazia pela mão uma menina pequena vestida de gato. Sorriam muito as duas, um contraste visível das duas únicas vezes que a tinha visto em que ela se encontrava abatida. Vinham a saltitar até o olhar dela se encontrar com o meu. Estão a ver quando ficam com o corpo a tremer, o coração a mil à hora apenas por ver aquela pessoa sorrir? Isso é que é amor, do mais puro e verdadeiro. E eu não fazia ideia que ia amar aquela rapariga mas algo me dizia que aquilo era certo. Estar com ela era certo. Então avancei até ela, a minha irmã a olhar me de esguia curiosa e confusa e o rapaz ainda entretido com o pau parou e olhou para nós.

-Olá. -ela olhava-me confusa.- Acho que não fomos devidamente apresentados. Sou o Ricardo.

Ela exitou um pouco e estendeu-me a mão.

-Joana.

Eu apertei-lhe a mão.

-Desculpa por aquilo do outro dia, tu és linda eu é que não sabia o que dizer.

Ela corou imenso. Eu corei imenso. E os miúdos começaram-se a rir e a abrir os sacos para mostrarem quem tinha mais doces, aluados da nossa conversa.

-É tua irmã?

-Não. Prima. E eles, são os teus irmãos?

-Só a menina. O outro é filho de um casal amigo dos meus pais.

Silêncio.

-Eu devia ir. -disse ela olhando para o telemóvel.

-Sim, desculpa, vai. -forçei um sorriso. Queria conhecê-la melhor.

Ela pegou na miuda ao colo e caminhou rua acima. A minha irmã começou-me a puxar a manga da camisola a dizer que queria ir para casa. Dei a mão a cada um e levei-os até casa, onde os deixei no andar de baixo a ver televisão e a comer doces. O Vitor ainda devia estar sóbrio portanto pensei ligar-lhe. De facto, o Vitor tinha mudado muito nos últimos anos. Conheci-o durante toda a minha vida e ele nunca foi de sair ou beber, era apenas pacato e em paz com a vida. Mas de à meio ano para cá ele tinha vindo a mudar. Andava sempre revolto com problemos sem sentido, comia todas as raparigas que vinham à rede sem se preocupar com sentimentos e bebia demais. Junto com a bebida vinha sempre droga. Erva já não era suficiente, então ele e os amigos começaram a exprimentar cenas mais fortes e ele abusava, sempre para não poder pensar. Quando a Inês morreu, ele tentou-se matar, uma semana depois mais ou menos, ninguém entendeu o porquê ou a ligação a ela. Estudávamos todos juntos desde o 5 ano ao 9 ano mas nunca tinha havido uma amizade ou algo parecido. Eles odiavam-se. O Vitor não suportava a maneira arrogante dela e ela não aguentava a felicidade extrema dele. Mesmo quando ela mudou de escola no 10, sempre que vinha visitar a Rita, a melhor amiga, o Vitor e ela picavam-se, discussões acesas no meio do átrio. Agora que penso talvez nalgum momento eles tenham gostado um do outro. Tinha tudo para acontecer visto que a Rita é a melhor amiga dos dois e eles podem ser diferentes mas os opostos atraem-se. De qualquer maneira, o Vitor nunca me contou nada. Nunca lhe conheci uma namorada ou uma paixão, por vezes pensei que ele fosse gay, mas tinha entendido que não.

A chamada foi para o voicemail 3 vezes até ele atender.

-Então puto?

-Ouve, tás onde?

-To naquele bar ao pé da casa do Inácio. Porque não vens cá ter?

-To a cuidar dos putos, lembras-te?

-Pois, o tal chato do batman. Ouve, queres que passe em tua casa antes de ir para a New?

-Não é preciso. Só queria saber como estavas.

-Ricardo eu estou bem, ok? Agora pára de ser a minha mãe e vai fazer algo com a tua vida. Sai, aproveita a vida. Até amanhã.

E desligou.

Decidi ir para o sofá e fingir que era uma criança mas a campainha tocou a meio caminho. Quando abri a cabeleira loira da Rita apareceu à porta com o rosto molhado de lágrimas.

-Ela faz anos amanhã Ricardo. Ela faria 17 anos amanhã.

Ela abraçou-se a mim e eu abracei a de volta e não deitei uma única lágrima. Ela estava morta, de que valia?

Depois de deitar os miúdos, eu e a Rita sentámo-nos no chão da sala e contámos os minutos até à meia noite. Demos as mãos e lamentámos a morte dela, e quando finalmente a meia noite chegou nós nem notámos porque nesse momento estávamos nus a dar prazer um ao outro, e quando acabámos eu chorei, porque ela merecia melhor mesmo depois de morta. E quando a Rita saiu e foi para casa, eu acendi o meu esqueiro e disse:

"Feliz Aniversário Inês" e por um momento ouvi a voz dela a responder-me. Porque ela era alguém, mesmo depois de morta, e quero sempre imagina-la desse modo. Viva, a responder-me e a rir-se na minha cara.

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