Capítulo 2

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Agora

Setembro

                                                                                             Joana

Segurei mais firmemente a alça da minha mochila quando transpus a entrada da minha escola. Respirei fundo e forcei-me fisicamente a entrar com o pé direito. De qualquer maneira, não ajudou em nada visto que lá dentro já toda a gente olhava para mim e cochichava descaradamente. Um rapaz qualquer do décimo primeiro ano olhou para mim e murmurou um lamento, eu apenas abanei a cabeça olhando para o chão. Olhos de pena olhavam para mim e eu não os queria ver. Junho já lá ia mas ao entrar naquela escola parecia que os 3 meses se resumiram a apenas um. Inês estava presente em tudo: no cantinho dos fumadores, á porta da sala 16, á frente do refeitório, nas escadas a ler um romance. Tudo emanava o cheiro dela, era estranho e perturbador.

Do fundo do corredor vinha a correr a Maria, com os cabelos loiros atados numa trança que descansava suavemente no seu ombro. Olhou para mim com os seus pequenos olhos azuis e puxou-me para ela:

-Oh! Lamento tanto , Joana , lamento tanto! -dizia com voz queixosa.

Forcei os meus braços a abraçarem-se a ela mas o meu olhar dirigiu-se para o fundo do corredor onde o Miguel encarava-me com o seu sorriso doce. Agradeci mentalmente por ter amigos como ele.

-Como estás , Joana? Não soube nada de ti o Verão inteiro! -a Maria largou-me e continuou- Eu estou aqui, ok? Também me custou muito a morte dela.

Falsa, gritei na minha cabeça. Ela odiava a Inês.

-Hey. -disse o Miguel já ao meu lado, em seguida, abraçou-me.

-Bem, eu deixou-vos conversar sozinhos. -interviu a Maria, depois pôs-me a mão no ombro e murmurou. -alguma coisa já sabes.

Vi-a a atravessar o corredor suavemente, como se o mundo fosse dela. Outrora alguém já fora assim, Inês, que agora estava morta, um monte de carne apodrecida.

-Miguel, tira-me daqui.

-Tudo bem, vamos ao café. -passou um braço pelos meus ombros e eu encolhi-me.

Odiava contacto humano.

                                                                                  (........)

O Miguel pagou-me não uma, não duas, mas três cervejas e eu bebi tudo, tentando ignorar o facto de odiar cerveja, principalmente o de odiar álcool. Ele nem comentou a minha cara de horrores ao bebe-las de penalti, apenas prestava muito atenção à minha expressão facial, de certeza que estava à espera que me passasse, toda a gente está à espera disso desde que ela morreu.

-Temos de brindar ao inicio do 10º ano Miguel. -disse eu levantando a cerveja número 4 no ar.

-Acho que já chega. -diz ele tirando-a da minha mão e rindo-se. -só água por agora, vou buscar-te uma garrafa.

Observei-o a afastar-se e olhei para o espaço à minha volta. Um típico café aborrecido, cheio de casalinhos a trocarem afectos demasiados íntimos para um espaço público, senhoras de avançada idade a trocarem os mexericos da semana e os grupos de gente popular demasiado populares e barulhentos para aquele espaço. Enquanto o meu olhar analisava atentamente o espaço, dei por mim a encarar um tipo, sentado sozinho a ler (o que é uma cena considerada absurda) e realmente atento no livro. Passeava os seus olhos pelas palavras e murmurava algumas até o seu olhar se encontrar com o meu. O rapaz olhou para mim incrédulo como se alguma vez me tivesse conhecido e eu fosse um tipo de serial killer. Aquilo assustou-me e intrigou-me de morte (má escolha de palavras).

-Jo, aqui está a tua água. -o Miguel pousou a água e sentou-se à minha frente, onde se encontrava o "estranho" a algumas mesas de distância.

Eu ignorei-o literalmente e continuei a encarar o "estranho" que entretanto já tinha voltado à leitura.

-O Ricardo despertou-te assim tanto interesse? -perguntou o Miguel enquanto abria a garrafa e dava um golo.

-O Ricardo?

-Sim. É de outra escola. Conhecia-o do futebol, jogámos algumas vezes juntos até.

Continuei a olhar para o "Ricardo".

-Joana! -o Miguel abanou a mão à frente da minha cara. -Estás apaixonada?- e riu-se alto atraindo a atenção do "Ricardo".

-Não!Por amor de Deus! -tirei-lhe a água e bebia toda de uma vez.

Quando dei conta, já o Ricardo estava ao pé da nossa mesa e juro que sentia a água ingerida a querer saltar cá para fora.

-Olá Miguel. -estendeu-lhe a mão e olhou para mim- Olá.

Eu acenei com a cabeça em sinal de cumprimento.

-Olá Ricardo. -estendeu-lhe também a mão e cumprimentaram-se. Notava-se um pouco de tensão no aperto que deram, não percebi o porquê.

-Bem, vemo-nos por aí. -deu um sorrisinho amarelo e saiu.

O Miguel rangia os dentes e o seu olhar era de ódio, eu apenas o encarava em busca de respostas.

-Vocês não se dão?

-Não gosto lá muito do tipo. Nada pessoal garanto-te.

-Sei.

E saímos em direcção à escola, sem nunca pensar que naquele dia encontraria o assassino de Inês, o amor da minha vida, e uma rede de mentiras, sem de facto fazer alguma ideia do que me estava a meter e no que isso me poderia levar a fazer mais tarde.

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