Capítulo 14

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Ricardo

Janeiro

2 anos antes

Ela sorria. O cabelo estava apanhado num rabo de cavalo alto, notei um pouco de gloss nos lábios e os seus olhos tinham um contorno preto em volta. Estava linda como era costume. Trazia umas calças de ganga vermelhas e uma sweat preto que deixava visível parte da barriga. Ela era toda beleza e formosura. Na sua mão direita segurava um cigarro meio fumado que levava á sua boca sentido-se completamente dona de si. Discretamente olhava para as pessoas que entravam para dentro da escola, mirando-as como se lesse os seus segredos mais profundos. Ela era tão popular que provavelmente sabia os segredos mais obscuros daquela gente toda. Eu estava colocado ao seu lado, á espera do autocarro. Ela deu-me uma cotovelada e perguntou se queria um cigarro e eu aceitei. Ela acendeu-mo e começou a divagar.

-Não estás farto disto aqui?

Estávamos apenas no 10 ano. Olhei para o cigarro aceso e levei-o á boca, tentando contaminar os meus pulmões o máximo possível.

-Acho que estou farto no geral. Não sei se isso mudaria noutro sítio qualquer.

Ela olhou para mim e sorriu-me.

-Gosto de ti Ricardo, sabias disso?

Tornei a repetir o gesto do cigarro e evitei olhar para ela enquanto sorria.

-Tenho uma vaga ideia.

Ela calou-se e acabou de fumar o cigarro olhando para o horizonte. Ao fim de um tempo, aproximou-se o Vitor que vinha enfiado noutra sweat com uma banda, desta vez eram os Oasis. Já andava com esta moda desde à um ano atrás. Olhou para a Inês e ela desviou o olhar, procurou o maço de cigarros, tirou outro para ela e ofereceu ao Vitor que reclamou instantaneamente:

-Essa merda vais-vos matar, sabiam? Julgava-vos mais inteligentes.

Vinda da rua principal chegou Rita que abraçou Vitor por trás e estendeu a mão a Inês por um cigarro:

-Deixa de ser totó. Um de vez em quando não faz mal. Devias exprimentar, talvez curasse esse mau humor.

Rimo-nos todos e a Rita e a Inês abraçaram-se, depois começamos todos a fumar e a queixar-nos do facto do Vitor estar de fones e recusar um cigarro. Ele ia sorrindo mas sempre de cara trancada connosco. Éramos os quatro os melhores amigos do mundo. Ninguém se chatiava com ninguém. Todos nos adoravamos.

Tínhamos uma espécie de tradição. Cada sexta feira íamos estudar para casa de alguém. Naquela semana íamos todos para casa da Rita. Ninguém gostava de lá estar nem ela mesma. Os pais eram pessoas desprezíveis preocupados com dinheiro e imagem. Raramente davam apoio á filha e só queriam boas notas e assiduidade perfeita para exibir a inteligência de filha que eles tinham criado. Connosco eles nem se davam ao trabalho de ser muito simpáticos, éramos todos da classe média enquanto eles se encontravam no topo da hierarquia monetária então a imagem que ficávamos deles era-lhes indiferente.

Chegados a casa da Rita, rumamos ao quarto dela e como primeira semana de aulas do 2 período não tínhamos nada para fazer.

-Então é assim malta...-a Rita subiu á cama dela e pegou numa escova de cabelo como se fosse um microfone-Hoje os meus pais foram de viagem, estamos sozinhos!

O Vitor sorriu e piscou-me o olho. Ele queria a Rita, eu queria a Inês. Era a oportunidade perfeita. Toda a gente imagina a primeira vez, apesar de maneiras diferentes, todos queremos que seja no mínimo prazeroso e era o que ele e eu ansiávamos.

As miúdas decidiram pôr um filme qualquer de terror a que eu não estava muito interessado porque tinha a Inês  no meio das minhas pernas que segurava as minhas mãos de encontro ao seu pescoço. Olhei para o Vitor que tinha a Rita enroscada nos seus braços. Era fantástico, tava tudo a correr bem então decidimos beber. Fomos á cave e roubamos garrafas de vodkas escondidas para festas especiais. E bebemos. Imenso. Riamo-nos e iamos enchendo copos de sumo com vodka até transbordar. Depois decidimos começar com o verdade e consequência e quando dei conta que estava em mim tinha a Inês de cima de mim a beijar-me e a tentar tirar-me a camisola. Puxei a dela para cima e arrependi-me. Ela começou a chorar baixinho. Recuei e chamei por ela. Acho que chamei. Estava tão bêbedo que nem me lembro. Só sei que ela não me acudiu. Continuava a chorar e eu não sabia que fazer. Olhei para a sala ao meu redor mas nem sinal da Rita ou do Vitor. Peguei na Inês ao colo, levei-a para o quarto da Rita que estava vazio e fui procurar o Vitor, precisava de ajuda. Num ato de sorte abri o quarto dos pais da Rita e eles encontravam-se lá, a Rita e o Vitor em roupa interior a dormirem com os corpos um em cima do outro. Abanei o Vitor mas ele dormia tão profundamente que não acordava e não queria de maneira nenhuma acordar a Rita e contar-lhe que deixei a amiga a chorar. Que raio tinha eu feito?

Voltei ao quarto e a Inês estava mais calma e fumava um cigarro á janela já com a sweat vestida. Aproximei-me devagar.

-Estás bem? Desculpa, eu não quiz fazer nada que não quisesses...

-Não foi culpa tua. -apagou o cigarro fechando a mão á sua volta e soltou um fodasse quase inaudível.-Gosto de gajas.

Tirou outro cigarro da secretária e passou-mo.

-Eu gosto de gajas. Não sei porque tentei fingir que não era verdade.

O cigarro caiu-me de entre os dedos. Suspirei e baixei-me para o apanhar. Acendi-o.

-Okay, já devia saber.

Desta vez suspirou ela e passou os seus dedos pela minha cara, acariciando-a.

-Gosto tanto de ti.

Pus as mãos na cara dela e beijei-a. Foi um beijo tonto e desajeitado mas bom.

-Tu és doida. -disse-lhe eu.

Ela pegou no casaco e na mochila, olhou-se ao espelho como se fosse outra pessoa completamente diferente daquela que tinha saído de manhã de casa.

-Obrigada por me tentares ajudar. -piscou-me o olho e saiu.

Eu estava bêbedo, ela também, mas tenho a certeza que ambos estávamos sóbrios quando eu corri atrás dela pelas escadas e juntos voltamos aos beijos para o quarto e perdemos a virgindade um com o outro. No fim ela disse-me que me amava e eu não duvidei mas saberei sempre que foi por agradecimento daquele bocado e não por me amar realmente.

Quando o Vitor e a Rita acordaram já passava das 11 da noite e depois de deixarmos a Inês em casa num sentimento um pouco constragedor. O Vitor começou a falar de tudo. Parou de caminhar, passou a mão no cabelo num movimento tão habitual e disse:

-Não aconteceu nada.

-Como não aconteceu nada? Vocês estavam quase nus!

-Ela queria que tu pensasses que o tínhamos feito. -olhou tristemente para mim.

-Eu vou falar com ela e esclarecer tudo.

-Não. Ela não queria que soubesses. Vamos apenas esquecer o assunto. -pegou no telemóvel e viu as horas.-Ainda não é tarde, vai um jogo em minha casa? Fifa desta vez por amor de deus!

Eu aceitei e fomos. A meio do jogo, o Vitor pôs em pausa.

-E tu e a Inês? Houve alguma coisa?

-Não. Já desisti dela.

-É uma pena. Podíamos ser aqueles casais pirosos de amigos.

Podíamos pensei eu. Nunca seríamos. Uns meses mais tarde Inês começaria a namorar e eu, o Vitor e a Rita entrariamos num triângulo amoroso que acabou por estragar toda a dinâmica do grupo. Passámos apenas a existir. O Vitor juntou-se a uns parolos drogados, a Rita começou a virar a bad girl da escola e a Inês continuava a ser ela, mas sem nós. Nos adoravamo-nos e deixamos isso de lado.

Vendo isto de uma perspetiva do futuro, tudo teve uma razão de acontecer. Tudo nos levara a descobrir quem somos consumidos pela dor e ainda bem. Julguei ser uma pessoa bem mais fraca do que sei que sou hoje. Partilhei imensos cigarros com Inês até á sua morte mas não tornei a partilhar um único contacto físico. Nunca mais nos tocamos depois dessa noite e talvez tenho sido pelo melhor, podia ter ficado  apaixonado. O Vitor ficou e mal sabia a história pela metade.

Há certos dias que reflito na pergunta que me fez, se não estaria farto disto e cada vez tenho mais a certeza da resposta, nada mudaria se estivesse a 100 kilometros de distância, porque o problema sou mesmo eu.

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