Capítulo 7

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Agora

Outubro

Joana

Acordei meio desnorteada num quarto que não era meu. As paredes eram num tom alaranjado e estavam cheias de fotografias de família e amigos. A Maria parecia uma rapariga feliz e resolvida com ela mesma, sorria imenso em todas as fotos, mas não um sorriso forçado que damos apenas para a fotografia mas sim aqueles sinceros captados no momento certo. Tinha uma secretária de madeira em frente da cama com imensos papéis espalhados em cima e ainda mais fotografias dela e da família coladas no armário no canto oposto. Aquilo tudo parecia um quarto museu cheio de cor de vida. Olhei para o lado para alcançar o meu telemóvel na mesinha de cabeceira, mas ao debruçar me reparei que Maria dormia num colchão no chão, apenas de cuecas e completamente destapada. Ela deve ter sentido movimento e acordou.

-Bom dia. -disse ela virando se para mim, exibindo o peito nú.

-Bom dia, desculpa, acordei-te.

-Nah, não durmo muito de qualquer maneira. Bem, estou esfomeada. -levantou-se, vestiu uma t-shirt larga e sorriu para mim- Vamos?

Eu calcei as minhas sapatilhas, penteei o cabelo com os dedos, peguei nas minhas coisas e seguia-a.

-Sabes. -começou ela- Eu adoro comer. É  das minhas cenas favoritas de sempre. I mean quem não gosta de comer?!

Ela falava e falava sobre cenas aleatórias. Gesticulava imenso e ria-se das próprias piadas até termos chegado á cozinha e ela ter-me perguntado o que queria para o pequeno-almoço. Aí achei que era demais. Eu estava a ressacar na casa de um estranho e a minha mãe ia-me matar. A minha mãe...

-Maria, a minha mãe ligou?

-Umas poucas vezes sim.

-Eu tenho mesmo de ir para casa. -disse eu pegando no meu casaco que se encontrava num cabide ao lado da porta.

Ela parou de tirar comida do frigorífico e virou se para mim.

-Desculpa, só te queria fazer sentir confortável.

-Eu sei, foi só uma noite complicada e a minha mãe deve estar muito preocupada. -estava a ser realmente muito rude mas só me apetecia ir para casa para o meu canto.

Não lhe dei tempo para responder e saí. Por vezes as pessoas estão no nosso caminho para alcançarmos algo mais, eu apaixonei me por ela ontem e hoje o sentimento foi-se e eu fui me embora. Temos que saber que todos somos passageiros na vida uns dos outros. E foi graças a isso que conheci o Vitor. A vida é meramente um conjunto de acontecimentos que nos são proporcionados por outras pessoas, é por isso que somos tão infinitos, nunca sabemos o que nos vai acontecer porque não conseguimos ver um fim. E acreditem, eu estou tão bem assim.

A rua onde Maria morava era me conhecida e perto estava uma paragem de autocarro. Apercebi-me que era muito cedo e demorava uma hora para o autocarro tornar a passar então decidi ir ao café. Lá o calor era abafador misturado com o cheiro de cigarro de uns quantos senhores de idade que discutiam o futebol. 

-Bom dia. Queria um café curto, por favor.

O dono ou empregado, não percebi, olhou para mim com desprezo por ter interrompido a conversa e mandou-me sentar que já me trazia o café. Olhei para o espaço e desloquei-me para uma mesa com vista para a rua no canto oposto ao dos homens. Peguei no telemóvel e vi 10 chamadas não atendidas da minha mãe e algumas mensagens do Miguel.

"Desculpa"

"Aserio Joana, eu nunca mais te deixo sozinha"

"Mandei uma msg á tua mãe a avisar que dormiste em minha casa."

Decidi ignora-lo. Que tipo de amigo me deixava num momento em que eu precisava tanto. Perdida na noite com uma estranha. Tudo o que se tinha passado ontem e ainda agora de manhã era irreal. Aquela não era eu. Eu não comia ninguém numa casa de banho de uma discoteca, eu não bebia até vomitar, eu não me permitiria dormir em casa de uma estranha, mas é isso que a amargura faz. Tinham passado 3 meses e ela ainda estava presente em tudo. Inês, o sonho que perdura como um pesadelo.

Acabei por pagar o café e apanhar o autocarro de destino a casa. Quando lá cheguei a minha mãe encontrava-se sentada na mesa da cozinha com umas chaves á sua frente.

-Onde estavas Joana? -aproximou-se de mim e espetou me um dedo à frente da cara- Que isto nunca mais se volte a repetir! Hás-de aprender a ser uma menina educada de uma vez por todas!

Olhei para ela, olhei as chaves atrás na mesa e de novo para ela.

-O pai?

-O teu pai saiu de casa. -começou a fungar e passado um bocado começou a chorar desalmadamente.

-Outra vez?

Aquele espetáculo repetia-se mais ou menos uma vez por mês. A minha mãe descobria que ele tinha uma amante e mandava-o sair de casa e voltar quando quisesse algo sério e sem traição. A minha mãe chorava desalmadamente e dizia que não queria mais viver mas ao fim de dois dias, o meu pai voltava e prometia amor eterno á minha mãe e ela perdoava-o. Estava extremamente farta daquele ciclo.

-Desta vez é a sério Joana! -gritava ela enquanto chorava e se agarrava a mim- Ele foi-se embora de vez!

Tirei-lhe os braços dos meus ombros e virei costas.

-É assim que tratas a tua mãe?

-É assim que tratas a tua filha? Ou espera, a tua vida é em função do pai.

Ela olhou-me com raiva e fez a sua mão embater com a minha cara com tanta força que deitei uma lágrima. Doeu-me mais ela ter-me batido do que a estala em si. Murmurei um odeio-te e despareci para dentro do meu quarto.

O meu quarto abafava os sons do mundo. Por vezes ele é demasiado barulhento, há demasiadas pessoas a falar, demasiado ruído de fundo, demasiadas palavras sem importância a ecoar no vazio do meu pensamento.  Precisava de silêncio, total, do mundo e de mim mesma.

Mas o mundo não quiz isso para mim, o destino escolheu-me outro caminho e o meu telemóvel vibrou. Peguei nele e era uma mensagem no Facebook de um tal Vitor de quem eu não era amiga.

"Sou o Vitor, conheces-me?"

Tentei procurar no meu pensamento alguém com o nome Vitor, mas nada me vinha à cabeça até que ele me mandou outra mensagem.

"Tenho de te dizer algo sobre a Inês."

E aí lembrei-me de um episódio com um Vitor à uns dois anos atrás, quando verdadeiramente conheci a Inês e...foi graças a ele.

O destino funciona, demasiado bem porque estamos todos ligados por fios invisíveis que nos prendem à vida das pessoas ao nosso redor. E bem, quando não funciona, os humanos fazem questão de o pôr a funcionar. Foi isso que fez o Vitor, pôs o meu destino a funcionar.

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