Capítulo 10

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Agora

Novembro

Ricardo

O telemóvel do Vitor apitava repetitivamente. Ele pousava o lápis, respondia, desenhava um número e o telemóvel voltava a tocar. Ele estava tão alegre que foi de estranhar. Nunca tinha visto o Vitor a importar-se de facto com o telemóvel. Usava-o na maior parte das vezes para jogar e odiava andar a mandar mensagens fosse com quem fosse. Depois de ter passado 15 min naquilo, fartei-me, precisava mesmo de me concentrar a estudar.

-Podes, por favor, parar?!

Ele deixou de sorrir e olhou muito sério para mim.

-Qual é o teu problema Ricardo?

-O meu problema? Eu quero estudar em paz, tens essa merda sempre a tocar, podes tirar o som se faz favor?

Ele pegou no telemóvel e aumentou ainda mais som. Naquele momento apetecia-me muito bater-lhe, levantei-me mas tornei-me a sentar, eu era demasiado impulsivo e tinha de parar.

-Aserio Vitor, desliga o som.

Ele fingiu que não me ouviu. Em vez disso, espetou me o telemóvel à frente da cara com uma fotografia da Joana.

-Sabes quem ela é seu otário de merda?

Eu sabia. Mas fingia não saber porque não queria. O Vitor voltou a insistir.

-Quem é a rapariga que andas a falar? Quem é esta miúda Ricardo?

Era ela. Fodasse.

-A Joana.

-Quem é ela Ricardo?

-A amiga da Inês.

-Seu filho da mãe, queres arruinar a tua vida?

-Não. -e não queria mesmo, mas eu queria tanto a Joana. Ela fazia-me sentir de certa forma vivo.

-Então aconselho-te vivamente a manteres-te afastado dela.

Ele pegou nos cadernos e saiu porta fora sem me dirigir mais uma palavra.
Eu olhei para o meu livro e fechei-o. Hoje já não dava mais.

       (....)

Quando já era noite, decidi bater à porta do Vitor e tentar resolver as coisas. Quem veio abrir a porta foi o pai, um homem já grisalho de pijama que segurava um comando de televisão cheio de fitacola. A família do Vitor era meio disfuncional. A mãe deixou o pai quando este se meteu num negócio duvidoso que deixou a família metida em dívidas, típico daquelas histórias manhosas de novela que a minha mãe tanto gosta. Depois disso, o pai meio que abriu a pestana e criou um negócio de sucesso de gerência de camiões ou uma coisa desse género. A mãe dele nunca voltou a casa, mora a umas horas daqui com o namorado e os filhos dele. No verão o Vitor e eu costumávamos ir lá passar umas semanas porque a casa é enorme, tem piscina e os filhos do sujeito têm idades próximas à nossa. Eram dias de muita felicidade. Tenho saudades desses verões longos que nunca acabavam. Acho que ainda consigo cheirar a limonada que a mãe dele nos preparava depois de uma tarde inteira de piscina. Isso, infelizmente, acabou à uns dois anos, depois de entrarmos no secundário ele preferiu passar os verões cá, a fumar erva e frequentar todas as festas possíveis.

-Olá Ricardo! Olha se procuras o Vitor, ele foi sair com uma menina. - o pai do Vitor riu-se- devem ser namorados.

Fingi um riso, agradeci-lhe e voltei para casa.

O Vitor com namorada? Isso era do mais impossível que podia existir. Ele não namorava, ele não tinha encontros, ele comia raparigas desprevido de qualquer sentimento. Conheci-lhe cerca de 10 raparigas, as que duravam mais, talvez um mês até ele se fartar delas. Não o criticava pois achava que ele só andava perdido e um dia ia entender o que estava a fazer aos seus sentimentos.  Provavelmente ele gostou da Inês, e seria a única pessoa que eu diria que ele gostou mesmo aserio. Mas de resto? Nunca o vi a entregar-se a ninguém. Talvez por medo? Queria acreditar que de qualquer maneira isso ia passar pois ele merecia amar e ser amado mais que ninguém.

Decidi deixar-lhe uma mensagem. Passado um pouco ouvi um carro e fui à janela. Ele tinha acabado de chegar. Saiu do carro e abriu a porta á rapariga. Não podia ser, não. Aquela rapariga era a Joana. Agora sim estava com a pica toda para dar uns bons socos na cara do Vitor. A Joana despediu-se dele com um abraço, meteu-se no carro e arrancou. Fui até á porta e gritei por ele. Viu-me e segiu-me até casa. Mal fechou a porta dei-lhe um murro.

-Seu filho da mãe, tu andas com a Joana! Qual é a tua?

Tentei acertar-lhe novamente, mas ele desviou-se e embateu contra a mesa da entrada.

-Ricardo, deixa-me explicar.

Empurrei-o contra a parede e encostei o meu braço contra o pescoço dele, precionando o contra a mesma.

-Achas mesmo que te vou deixar explicar?! Depois do teu discurso de merda de hoje?

Ele era forte, podia ter me atacado e ter-ia certamente ganhado, mas não, ficou ali imóvel. Então larguei o. O Vitor  limpou a boca contra a manga do casaco e sentou-se no sofá.

-Tás a ficar bom nisso dos socos. -disse ele sorrindo.

-Porquê ela?

-Eu gosto dela.

Olhei para ele com raiva e com muita vontade de lhe estragar aquela cara bonita outra vez.

-Ela não é mais uma das tuas conquistas  Vitor.

-Eu gosto mesmo dela, mesmo aserio. Eu quero namorar com ela, ter algo sério.

Comecei a despentear o meu cabelo e a andar de um lado para o outro. Já tinha visto isto a acontecer antes. Com a Rita. Ambos tínhamos gostado dela no 10 ano e deus sabe que problemas isso nos trouxeram. E eu tinha comido a Rita umas semanas antes, isto foi infringir o Bro Code em tantas maneiras diferentes. Por isso a única coisa que me ocorreu dizer foi:

-Eu fodi com a Rita no Halloween.

Ele olhou-me, levantou-se e deu-me um soco e eu mereci-o.

-A Rita era território neutro meu! -disse o Vitor sério e depois começou-se a rir.

E eu ri-me com ele. Fui buscar uma caixa de cervejas e sentamo-nos no chão da sala a olhar para a rua.

-Agora aserio? A Rita? Ainda?

-Ela veio cá a casa transtornada pela morte da Inês e bem, estávamos ambos a precisar. -pisquei-lhe o olho.

-És doido! E essa gaja parece que se esqueceu do que se passou.

-Não sabes se de facto foi ela. -dei mais um golo na cerveja e engoli em seco, a Rita era nossa amiga.

-Ela foi para a cama com o namorado da Inês, não há como duvidar, a Inês não ia mentir!

-Ainda custa acreditar. Eram tão amigas.

-As pessoas fazem sempre coisas de que nunca estamos à espera. Acho que até tem certa piada, nunca sabermos o que vem a seguir. -O Vitor tinha um ar sonhador e estava tão em paz com essa descoberta que fiquei com inveja.

-Eu gostava de saber. Estou farto de tantas surpresas. -fungei mas consegui controlar as lágrimas. Não gostava de chorar em frente a ninguém apesar de o Vitor já ter visto as minhas lágrimas imensas vezes.

-Ei, desculpa isto da Joana, mas tu nunca podias ficar com ela, sabes? Pensei que fosse até um favor para a esqueceres. -apertou-me o ombro e deu-me um sorriso triste que eu retribui.

-Gostava de nunca ter estado naquele sítio, áquela hora, talvez estivesse mais feliz agora.

-Não foi tua culpa mas olha se quiseres eu posso deixar de a ver, estás sempre primeiro puto.

-Não, eu fico feliz se estiveres feliz. Um brinde a estas paneleirises todas.

-Ao amor, 'tá? Ao amor que dá verdadeiramente felicidade.

E fizemos o nosso brinde e olhei para o Vitor a pensar que tinha o melhor amigo do mundo. E olhei-me de fora e percebi que nunca ia poder controlar gostar da Joana, nem ter visto Inês morrer, mas podia remediar isso tudo transformando-me na pessoa que devia ter sido nessa altura. Porque eu era um ser humano e o que aconteceu naquela noite foi um erro. Ela morreu porque eu errei. Mas estava a sofrer o karma. Não podia amar Joana porque errei com a Inês e com ela própria. A vida é lixada.

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