Ícaro - Pais por nome.

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Vinte e três horas restantes...

Ícaro abriu os olhos. Era seis de agosto e ele não poderia estar mais animado. Era seu aniversário.

O garotinho desceu da sua cama e nem o chão gelado embaixo de seus pés o incomodou. Ele andou até a prateleira enorme que estavam seus brinquedos e pegou o seu preferido:

-Bom dia, Optimus Prime! -Ele engrossou sua voz o tanto que uma criança de oito anos conseguiria.

-Bom dia, senhor Carvalho! -Ele mexeu os bracinhos do boneco.

-Você não imagina que dia é hoje!

-Eu jamais poderia esquecer! Seu aniversário, Ícaro! Parabéns!

O garotinho sorriu e saiu correndo escada a baixo, ele não via a hora de ver seus pais.

Mas antes que ele pudesse chegar ao final da escada, as vozes de seus pais gritando chegou até o menino.

Ícaro não entendia muito de casamentos, mas será que todos os pais na frente dos outros pareciam se gostarem, mas dentro de casa só brigavam?

-Mamãe? Papai? -Ícaro os chamou e os dois o olharam se calando de repente.

-Ícaro, meu bem... -Sua mãe forçou um sorriso como se nada tivesse acontecido. -Acordou cedo hoje.

-Eu queria tomar café com vocês. -Ele foi pra sua cadeira ao lado do seu pai.

Os dois se sentaram e por mais que fingissem, aquela tensão no ar não sumia e Ícaro engoliu seu cereal em seco:

-Pai? Não está se esquecendo de nada?

Fabrício levantou o rosto do jornal que estava tentando ler e franziu os sobrancelhas:

-O quê, meu filho?

-Mãe? Sabe que dia é hoje?

Maísa checou em seu celular rapidamente e arregalou os olhos:

-Fabricio! -Ela exclamou se levantando. -Hoje é dia seis! É hoje que o Doutor Akira irá nos visitar!

O homem levantou assustado:

-Como a gente pode esquecer?

-Meu celular não está apitando as minhas tarefas! Precisamos correr!

Os dois começaram a arrumar a bolsa e Ícaro engoliu em seco:

-Pai! Mãe!

-Tchau, filho! Até mais tarde e se comporte! Se não, a Raíssa vai ficar brava com você!

-Mas é meu aniversári... -Ícaro não teve tempo para terminar a frase, seus pais já estavam saindo pela porta e sequer olharam para trás.

Ícaro olhou para o seu pratinho que estava o cereal e olhou para o seu boneco que estava em uma das suas mãos:

-Acho que seu cereal não vai ir pra sua boca sozinho, Ícaro... -Raissa se sentou na cadeira ao lado.

-Não quero mais comer, tia Ra.

-Como assim? Você? Ícaro Carvalho sem fome? -Ela empurrou um embrulho, mas Ícaro não se importou.

-Eles esqueceram o meu aniversário. -O garotinho se levantou da cadeira e foi para o seu quarto. Ficou deitado o dia todo e mesmo quando Raíssa veio até o quarto dizendo que seus pais haviam ligado para desejar feliz aniversário, Ícaro não quis atender.

Aquele não seria o único aniversário que seus pais se esqueceriam, aos poucos, o garoto foi crescendo e viu que ele também era só mais um status, um título, uma garantia de contrato que seus pais tinham.

Ele é o herdeiro do maior Hospital da cidade, de uma fortuna que seus pais lutaram para conseguir. Ele podia ter qualquer coisa, era só ele falar que em instantes, havia centenas de pessoas que fariam o que quisesse.

Ícaro tinha autoridade, dinheiro, bens materiais, formação acadêmica invejável, e um sobrenome que muitos gostariam de possuir.

Mas ele não tinha o principal, a atenção de seus pais.

O rapaz olhou para a tela do seu celular. Pensou em Ana Paula, a jovem que havia conversado com ele a poucos segundos. Por mais que tenha sido apenas alguns momentos, havia algo diferente em sua voz, não parecia haver um peso, uma angústia, ou uma enorme tristeza que Ícaro carregava dentro de si.

Ana Paula era liberta e Ícaro pensou no que seria a liberdade de fato.

Seu celular começou a vibrar em sua mão e o nome de seu pai apareceu na tela:

-Filho? -O rapaz ficou em silêncio. -Ícaro? Por favor! Me responda! Preciso saber que você ainda não fez nenhuma besteira!

Ícaro respirou fundo:

-O senhor se importa?

-Meu filho, para de falar besteira! Sua mãe está em prantos! Diga aonde você está que eu vou mandar o motorista te buscar!

-Eu não quero voltar para casa!

-Filho, só me diz aonde você está!

-Não tem nenhum repórter aqui, fique tranquilo, Doutor Carvalho. A cidade que o considera tanto, não saberá que seu filho cometeu o suicídio.

-ÍCARO! PARA COM ISSO!

-Adeus, pai. -E desligou, bloqueando o número de seu pai.

Ele olhou para a Avenida que se estendia a baixo e fechou os olhos.

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