Capítulo 14

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Aqua

Minha respiração era pesada e lágrimas enchem meus olhos enquanto saio da sala. Eu me sentia humilhada e extremamente envergonhada com o que acabou de acontecer. Eu não deveria ter dado ouvidos a Wolf, deveria ter apenas ficado na fogueira, com todos os outros motoqueiros.

Eu sei exatamente o que fez Crow recuar. As cicatrizes. No momento em que ele encostou em uma das cicatrizes que eu tinha na parte de trás da minha coxa, ele recuou. Barbie estava errada, essas cicatrizes deviam ficar bem escondidas. Eram repugnantes, e o fato de Crow me expulsar acabou de confirmar isso.

Eu nunca senti nada parecido com o que senti naquela sala. Nunca fui realmente beijada na minha vida, e nunca conheci alguém que me fizesse querer também. Isso é, claro, até Crow.

Meu corpo estava queimando completamente dentro daquela sala, e eu provavelmente teria deixado com que ele fizesse tudo que quisesse fazer. Tenho certeza absoluta que não iria me opor a nada disso.

Suspiro, passando a mão no cabelo. Me recuso a chorar agora, por mais que a rejeição seja como um soco no estômago.

Sem vontade de voltar para qualquer festa que seja, não saio para a fogueira e vou em direção as escadas.

Eu estava tão focada em chegar ao meu quarto sem quebrar que nem mesmo notei que havia uma pessoa descendo as escadas até que eu colidiu com um peito duro.

Olho para cima para encarar um motoqueiro. Eu não o conhecia, mas já o vi por aí sendo chamado de Snake. Seus olhos eram de um verde esmeralda, seus cabelos de um dourado escuro e sua pele oliva. Sua forma corporal se igualava a de Wolf, por conta do tamanho.

"Calma aí, querida... Está bem? Eu realmente odeio ver mulheres chorando." Ele pergunta, e eu evito olhar em seus olhos.

"Não estou chorando." Respondo, mas o próprio som da minha voz confirma que estou sim prendendo um choro.

"Aqua, não é? Eu posso realmente te ajudar com seu humor." Eu finalmente olho para seu rosto e, mesmo com um humor horrível, não posso deixar de soltar uma risadinha quando ele mexe as sombrancelhas de modo sugestivo. "Jesus, garota, deveria sorrir mais."

"Hey, Snake! Que tal manter seu pequeno palito de dente longe da cadela, em? Crow vai chutar seu traseiro." Me viro para o início das escadas, onde Wolf nos encarava encostado no corrimão.

Eu coro com a sua pequena piadinha e Snake apenas rola os olhos, dando de ombros. Ele sorri e pisca um olho para mim, antes de descer as escadas. Para quando está bem ao lado de Wolf.

"Nunca chame minha anaconda de palito de dente, VP. São vinte e cinco centímetros de puro homem." Diz antes de ir em direção a festa, e o outro motoqueiro rola os olhos.

Wolf sobe as escadas em minha direção, e eu olho para baixo para que não tenha nenhum sinal do que aconteceu com Crow.

"Você está bem, princesa? Ouvi Snake falar algo sobre estar chorando." Pergunta, e eu dou de ombros, botando um sorriso falso no rosto.

"Só cansada. Vou dormir um pouco agora." Digo, e não lhe dou tempo para contestar antes de subir o resto das escadas e me trancar no quarto.

Eu vou direto para o banheiro, com uma súbita necessidade de ver o que Crow viu. Tiro a jaqueta e o vestido, ficando apenas de calcinha, e encaro meu reflexo no espelho, as lágrimas voltando aos meus olhos.

Eram milhares delas. Eu podia dizer como consegui cada uma. Roubar um doce antes do almoço, gritar, brigar com uma das meninas no orfanato por serem más com Chel... Diversas coisas. Coisas consideradas simples no mundo aqui fora.

Quando tinha acabado de chegar no The Cured Souls, costumava me perguntar repetidamente porque meus pais não me queriam. Quando conheci Chelsea, eu parei de pensar tanto sobre isso.

"Não sei porque estamos aqui... Mas será melhor se formos amigas, não é?"

Foi isso que ela me disse pelo pequeno buraco na parede entre as nossas celas. Chel tinha acabado de chegar no orfanato, era dois anos mais velha do que eu. Ela tinha dez e eu tinha oito. Desde aquilo, viramos inseparáveis.

Ela estava sempre lá quando alguma das crianças mexiam comigo, e eu também estava sempre lá quando faziam com ela também. Éramos irmãs.

Um pouco mais tarde, descobri que meus pais morreram. Assassinados por se meterem com um traficante, ou algo assim. Foi isso que as irmãs me disseram, pelo menos.

Agora, nesse exato momento, me encarando no espelho, eu consigo dizer porque Crow desistiu de ficar comigo. Porque as cicatrizes eram repugnantes. Eu não o culpava, para ser honesta.

Não me importo com as lágrimas escorrendo pelos meus olhos. Faço a minha higiene, boto meu pijama e me jogo na cama, sem me importar que ainda estou chorando silenciosamente.

Eu odeio o quanto choro. Chelsea normalmente era a forte entre nós. Não me lembro de a ver chorar muitas vezes. Talvez por ser a mais velha, ela sempre tentava se segurar, para me acalmar. Eu sempre fui a fraca.

Eu nunca tive um namorado, nunca tive um garoto para gostar de mim. Os meninos no orfanato eram mantidos separados das meninas, já que as Irmãs diziam que não podíamos ser atraídas para os pecados.

Chel teve um garoto uma vez. Eles se conheceram em um dos poucos momentos onde os meninos e meninas se misturavam, a noite do cinema. Eles se beijaram algumas vezes, mas, quando as Irmãs os pegaram, os dois foram punidos e minha amiga nunca o viu novamente.

Suspiro, fechando meus olhos fortemente. Mesmo não querendo, não posso parar a minha mente de reviver o momento com Crow, suas mãos em mim, seus lábios nos meus.

Eu não podia ficar com raiva dele, nem mesmo surpresa. Quem diabos iria querer ficar com a menina quebrada e assustada cheia de cicatrizes horríveis em seu corpo?

Ninguém. E Crow tem milhares de mulheres ao seu redor, não vai ficar com a patética fraca.

Quando a minha auto punição foi o suficiente, eu me forço a relaxar e deixar o sono vir.

E, claro, sonhei com um par de olhos cinzas.

Crow- Flaming ReapersOnde histórias criam vida. Descubra agora