Prólogo

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Oito anos antes
Sangandra, Missouri, Estados Unidos.

"Por favor... Não." Choraminguei mais uma vez. Minhas súplicas eram inúteis e patéticas, eu sei. Não vai funcionar, eu sei. Nunca funcionou antes, e duvido que vá começar agora, mas o medo impede que eu me cale. As lágrimas escorrem pela minha bochecha, deixando rastros molhados em meu rosto, e eu deitei ali, com as costas livres para meu torturador, a mesa abaixo de mim fria ao toque, apenas esperando a dor que eu sabia que viria.

"Você sabe o motivo disso, Aqua?" Um soluço escapou de meus lábios quando escutei a voz da Irmã Ruth, mas eu assenti. Não sentia mais a lateral do meu rosto, por estar fortemente pressionada contra o metal gelado e duro da mesa. Eu conseguia ver a pequena poça de água que minhas lágrimas formam na superfície, zombando de mim ao mostrar minha própria fraqueza.

"S-sei." Respondi, e imediatamente me arrependi de gaguejar. Não era bom, e as Irmãs não gostavam. Meu corpo de dez anos de idade tremia de medo e frio, meu coração batia aceleradamente em meu peito.

"Por que, Aqua?" Eu respirei fundo, e me forcei a não falhar na fala novamente.

"Porque fui desobediente. Roubei o livro da biblioteca." Sussurro, não acreditando em nenhuma palavra que saia da minha boca. Apenas queria ler, queria gritar, queria saber o final da história da Rapunzel. Claro, eu me mantive calada. Falar qualquer coisa apenas iria piorar a punição.

Escuto o barulho do chicote atrás de mim e fecho meus olhos apertado, a antecipação da dor que viria fazendo minhas pernas tremerem mais do que já faziam. Eu sabia com certeza que se não estivesse dobrada sob a mesa, eu não conseguiria suportar meu próprio peso.

"Roubar é um pecado muito sério e você tem que ser punida... Você entende isso, não entende, Aqua?" Eu assenti novamente com a cabeça ao ouvir as palavras dela, meus olhos ainda fechados, apenas sentindo as lágrimas escorrerem pela minha bochecha. "Que bom."

A voz da Irmã Ruth era suave e gentil, um contraste enorme com suas ações. De todas as Irmãs do orfanato, ela era a mais cruel, e sempre aparecia em meus pesadelos. Enquanto as outras Irmãs sempre davam sorrisos malvados e mostravam o que queriam, Ruth fingia querer o melhor para todos. Isso a tornava mais assustadora . Todas as crianças aqui, incluindo eu mesma, morriam de medo dela, por mais calma que seja sua voz. Os olhos verdes eram vazios, e isso sempre me assustou.

Antes que eu possa até mesmo dar o próximo suspiro, o chicote desce nas minhas costas, me fazendo soltar um grito que arranha minha garganta. Não era a primeira vez que eu era punida, e duvidava que seria a última, mas a dor era mais excruciante a cada golpe. Eu podia sentir a pele das minhas costas abrindo em cortes, e logo sinto também o calor úmido do sangue escorrendo até pingar na mesa e no chão aos meus pés. Fecho minhas pequenas mãos em punhos e meus olhos mais apertados. Minhas costas queimavam.

"O que você diz, Aqua?"

"O-obrigada, senhora." Sussurro. Era o que as Irmãs sempre exigiam que eu dissesse.

O chicote desce mais uma vez, e eu grito novamente, as lágrimas descendo descontroladas por meu rosto. De novo, ele desce... E de novo... De novo. Cada vez pior que a anterior, cada golpe doendo duas vezes mais. Eu queria que terminasse logo. Pedia a Deus para que terminasse logo, mas duvidava que ele fosse escutar. Aos olhos dele, afinal, eu era uma pecadora e merecia minha punição.

Não sou muito de rezar, pelo menos não fora dos horários agendados pelo orfanato, mas sempre me encontro conversando com Ele nesses momentos. Parte de mim ainda tem esperança que Ele escute, de onde quer que esteja. Que Ele perdoe meus pecados. Talvez estivesse apenas sendo uma garota patética de dez anos, mas o sentimento estava lá.

Em algum ponto, horas ou talvez minutos depois, minhas cordas vocais cansam de gritar por socorro, queimando na minha garganta, e eu perdi a voz. Não conseguia mais gritar, então apenas fico em silêncio, deitada e chorando, as lágrimas nunca parando de escorrer.

Eventualmente, minha visão escurece e eu sinto a realidade escapar lentamente por entre meus dedos. Eu agradeço por isso. Quando você tem dez anos e a sua vida já é um inferno, você implora por qualquer coisa que possa te levar embora por algumas horas, até mesmo a escuridão. Até mesmo o perigo da inconsciência, os sonhos desconhecidos.

Quando estou desacordada o suficiente para não sentir mais a dor, tenho vontade de sorrir. Mas meus lábios não me obedecem, e, mesmo que o fizessem, é uma felicidade passageira.

Aquela não seria minha última punição. Nem perto.

Crow- Flaming ReapersOnde histórias criam vida. Descubra agora