Capítulo X. Contiguidade

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Youra


Taehyung pareceu mergulhar no seu oceano do passado; imergindo em suas próprias palavras, somente acompanhei com perícia o seu relato e, para ele, fui uma imagem inanimada adornando o cenário litorâneo de sua narrativa.

O vento soprou entre nós dois e ele fechou os olhos, apreciando serenamente as partículas de água salgada e da areia que batiam de forma suave em seu rosto. Acompanhando seus movimentos, mirei o longo mar que se estendia diante de mim e me afundei em longínquas meditações.

Em um momento incerto de sua narrativa, soube que Taehyung não estava se dirigindo a mim mais, e, sim, a si próprio ao lutar com os próprios demônios para suscitar seu passado e reabrir as feridas que um dia pensou que estariam cicatrizadas. Não sabia como era a dor da perda das duas pessoas mais importantes na vida dele, contudo, eu o compreendia e me mantive silenciosa, recusando-me a fazer perguntas para não o acordar de seu estupor induzido.

Passei a minha mão nos fios azeviches de meu cabelo, colocando-os para trás a fim de fugir do vento. Meu coração estava descompassado com seu relato e, de certa forma, triste por saber de sua história e que terminara tragicamente.

E, com seus vinte e seis anos, Taehyung perdeu mais coisas do que qualquer outra pessoa que eu conhecia acima de sua idade. Encarei-o de soslaio, moldando um muro em minha imaginação ao ficar confusa se deveria confortá-lo ou apenas permitir que se mergulhasse definitivamente em seu silêncio.

Abraçando suas próprias pernas, Taehyung colocou sua cabeça no vão entre os joelhos e suspirou longamente antes de prosseguir com a narrativa.

— Assim que o pai de Haneul chegou e soube da notícia — retomou ao me encarar de volta com um brilho consternado nos olhos. —, partiu para o mais longe da cidade e bebeu até não poder mais. Bem, eu não fiz diferente.

Ele pausou na espera de uma resposta minha, porém, eu não conseguia juntar as palavras em uma frase e fazer com que elas tivessem algum sentido.

— Depois de um mês, ele me demitiu da empresa dele, afirmando que eu lembrava muito sua filha. — Um suspiro modelou seus lábios. — Me deu uma quantia generosa para que eu fosse embora. — Eu me acomodei melhor do seu lado e permaneci calada. — Mas, antes de ir, trabalhei durante um ano arduamente com objetivo de vir para cá e achar novamente o meu lugar no mundo. — Um sorriso sorumbático suscitou e ele continuou: — Depois da morte de Haneul e de Wook, eu perdi todo o meu foco como fotógrafo: nada estava bom. Ora, era uma fotografia amadora demais, ora, uma que despertasse meus sentimentos de repulsa em relação à minha profissão.

— E você conseguiu se achar? — Pela primeira vez desde que chegamos à praia, perguntei.

Um riso taciturno fez uma breve melodia entre nosso silêncio.

— Acho que eu estou me perdendo cada vez mais. — Admitiu. — Antes, para mim, a fotografia representava momentos que poderiam se perpetuar, sentimentos dos quais poderíamos reviver apenas de olhá-lo; mas, agora, olhando para meu passado, é somente o registro de um momento que jamais poderíamos voltar.

Sem saber como agir, apertei suavemente seu ombro em um ato de conforto e os músculos de suas costas se retesaram, mas, logo, relaxaram e permitiu se perder mais uma vez em suas meditações. Mergulhando nos meus próprios pensamentos, fui puxada para a superfície quando senti, sob o nosso contato, seu corpo estremecer e ele se encolher.

Taehyung estava chorando.

Pequenas lágrimas se formaram e trilhavam caminhos pelas suas bochechas, em que, na ponta de seu queixo, encontravam-se antes de cair nas pedras.

Fotografia DesbotadaOnde histórias criam vida. Descubra agora