Capítulo XXII. Doce

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Youra

O meu período de estadia em Seoul terminava naquela noite, cujos termômetros despencavam em uma temperatura baixa, agravando-se pelas correntes frias de uma madrugada. Ao mesmo tempo em que eu pude compartilhar momentos únicos com Jimin, grande parte de meus sentimentos se baseavam na falta da cidade em que eu morava.

Conhecendo cada traço de Jimin ao longo de quinze dias, vivenciei seus extremos ao vê-lo, em determinado tempo, gritando aos quatro cantos do quarto dissabores sobre sua vida, como gostaria de ter aproveitado sua adolescência e ter sido mais inconsequente. O trabalho lhe apertava a garganta ao ponto de sufocá-lo.

Ao contrário do que se poderia imaginar, a vida de Jimin não era inteiramente passada como um véu opaco. Eu poderia concretizar minhas teorias ao vê-lo ao lado de Jungkook, cujo amor transparecia em cada sorriso compartilhado. Como se eu fosse Shakespeare escrevendo a história de romance proibido entre Romeu e Julieta, via cada vez mais a impaciência de Jimin em querer contar ao mundo sobre como era apaixonado por Jungkook.

Então, a verdade era que Jimin estava conseguindo lidar com a pressão da empresa sobre suas costas, porém, necessitava de uma válvula de escape. Sair com amigos, divertir-se ou passar algum tempo contando sobre atrocidades banais eram tarefas das quais ele já não se disponibilizava mais. Em Jungkook, ele conseguiu encontrar momentos em que poderia se sentir verdadeiramente humano.

Manteremos segredo. — Contou-me Jimin ao me acompanhar na estação de trem. — Tanto meu emprego quanto o dele está em risco, então, pode ficar tranquila, Youra, eu não farei nenhuma loucura. Ainda.

Despedindo-me de Jimin, abracei-o com determinada força, sentindo que finalmente eu tinha algum membro da família ao meu lado. Com o brilho obstinado de uma criança que aprendera um truque de mágica, Jimin me assistiu sumir através da bruma de uma manhã gélida.

Ao passo de que me tornei confidente do romance entre Jungkook e Jimin, Yoongi terminou por ser uma companhia prazerosa. Oferecendo-me carona das vezes em que meu primo não pudera me levar para seu apartamento, compartilhávamos pensamentos acerca da obscuridade humana enquanto o rádio tocava algum pop genérico da atualidade.

Senhor Hyun é muito inteligente em alguns requisitos. — Comentara certa vez quando dedilhei sobre a superfície do carro. — Em outros, consegue ser mais tonto que uma criança de cinco anos.

Compreendendo ao que se referia, assenti com a cabeça para Yoongi ao soltar uma risada descrente de meu próprio pai. O homem de cabelos azeviches e de uma esperteza heteróclita sabia difundir suas ideias em frases de efeito cômico. Repentinamente, materializei So Ah e Hoseok em Yoongi, cujas personalidades se mesclavam perfeitamente: o tom caricato de Hoseok na entonação sórdida de So Ah. Então, novamente, não me surpreendi quando soltei uma generosa risada em suas observações.

Ao todo, não fora uma experiência ruim ao trabalhar na empresa de meus pais, contudo, não era o que eu almejava; mas, ainda assim, sentia falta da minha casa.

Com o orvalho da noite se dissolvendo ao ser tocado pelas luzes solares, respirei profundamente quando o sinal de chegada havia soado pelo trem, reverberando em suas paredes metálicas. Com a voz gravada de uma mulher, esperei as instruções de retirada dos pertences em meu assento e, por entre o mar de pessoas que se deslocavam na plataforma do lado de fora, pude ver Taehyung plantado como se estivesse me esperando há dias.

A pedido meu, ele viajou por alguns minutos até a cidade vizinha, em que fora construída a estação ferroviária, para me buscar. Em uma súbita surpresa, levantei de meu lugar e derrubei todos os meus pertences no chão enquanto olhares de dúvida dos demais passageiros me atingiram. Como se estivéssemos em uma conversa telepática, nossos olhares se encontraram e um sorriso retraído emergiu de seus lábios.

Fotografia DesbotadaOnde histórias criam vida. Descubra agora