A imagem do meu eu.

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Não sei em qual momento foi que eu simplesmente parei de me olhar tanto no espelho. Não sei quando foi que eu já não conseguia responder a pergunta mais simples de toda a minha vida: "qual é o seu sonho?". Quando eu tinha treze anos, eu respondia prontamente, de forma entusiasmada: "publicar um livro! Ser uma escritora famosa!". 

"Qual é o seu sonho?"

Eu não sei.

Sobre o que devo sonhar agora? Um emprego em que eu trabalhe por oito horas, ganhe o que acham que o meu trabalho vale, e voltar para minha casa? Devo sonhar em formar uma família? Devo sonhar em fazer o que eu realmente gosto e talvez ser julgada a minha vida toda por isso? O que é sonhar? Porque devemos sonhar? Qual é o sentido de basear toda a nossa vida em sonhos e realizações?

"Uma pessoa sem sonhos, é uma pessoa triste. Qual é o seu sonho?"

Eu não sei. 

"Não sei" é a coisa que eu mais costumo dizer, logo depois de "desculpa". É estranho, porque eu era uma criança que costumava falar muito. Eu gostava de contar sobre tudo, e falar sobre tudo. Eu queria entender, queria ouvir, queria dizer e demonstrar. Não consigo dizer onde e quando a perdi. Creio que em algum momento em nossa vida nos perdemos enquanto tentamos nos encontrar de diferentes maneiras. Seja em coisas, lugares ou pessoas. A única coisa que posso afirmar, é que tenho tentado me encontrar em mim mesma. Me perdi aqui dentro tentando me encaixar em tantos lugares que nunca me serviram de verdade. 

Um dia, você é sedenta por se encaixar e ser aceita. No outro, está olhando para um tremendo buraco vazio e  você só quer se aceitar e reconhecer a própria voz enquanto sussurra para si mesma no meio da noite que vai ficar tudo bem. Mesmo que a vida seja essa constante "mudanças necessárias", e furtivas olhadas para trás, ficamos perdidos. Se perder é esquecer o seu próprio gosto, sua própria essência. 

Mas você é uma casa. A sua própria casa. Recebemos visitas, decoramos... Mas quem sempre está ali, no final, é você. 

Se olhar no espelho e tentar reconhecer o que reflete ali, é fundamental. Gosto de colocar a música que mais se encaixa no meu eu interior, e dançar. Ou olhar o que reflete, e analisar cada ponto que me torna eu mesma.

A pinta em minha bochecha.

A pinta em minha pálpebra do olho esquerdo. 

O tamanho de minhas mãos.

A textura de meu cabelo.

As covinhas que se formam quando sorrio.

A pinta em minha barriga.

Para você se reencontrar, e se reconhecer aí dentro, é importante notar cada detalhe belo e único de fora, que torna você. Ser você, é ser belo. E quando nos olhamos no espelho, e sorrimos, ou cantamos para nós mesmos, é aí que começa o processo.

Sabe, a vida não é nenhum clichê do Nicholas Sparks. Não vai aparecer, num dia lindo e ensolarado, ou num dia chuvoso e melancólico, o cara ou a garota mais incrível do mundo que simplesmente vai te ensinar a ver o mundo com mais cor, e te fazer enxergar beleza em si mesmo. As vezes damos sorte, mas nem sempre. Temos que aprender a enxergar com nossos próprios olhos. Temos que reaprender a responder a pergunta: "qual é o seu sonho?".  Temos que procurar onde foi que aprendemos a dizer tanto "não sei", e "desculpa". As vezes você sabe, sim. E nem sempre a culpa é sua. 

Aprenda a saber, e se perdoar. Até que você olhe no espelho, ou converse consigo no meio da noite e aprecie a sua presença.

Você deve ser aquela presença que você tanto deseja num dia chuvoso e frio, enquanto toma um chá. 


                                 D. 


Fragmentos de um (des)conhecido eu.Onde histórias criam vida. Descubra agora