Quando me perdi em mim?

29 7 0
                                    

Os meus olhos castanhos e arredondados me encaravam de forma acusadora no reflexo do espelho. Meus cachos caíam de forma bagunçada e desregular pelo meu rosto. Alguns estavam caídos no chão e a tesoura permanecia em minha mão. Lembrei de quando eu tinha doze anos e um cabelo grande e pesado, que caía solto até o meio das minhas costas. Com dezesseis eu cortei tão curtinho, que na hora do banho eu até esquecia que ainda tinha cabelo. Eu dizia que era uma mudança necessária, e cortei mais outras vezes. Mas a mudança tinha que acontecer na minha vida, não em mim. Quer dizer, em mim talvez sim, mas para que fosse uma representação. 

De minha boca meio aberta, saía a minha respiração ofegante que denunciava mais uma crise de choro incessante. Os lábios vermelhos por ter sido tão comprimidos, estavam levemente inchados e foram molhados pela lágrima que desceu e estacionou ali. Salgada e quente. Eu nunca fui fácil de lidar. Desde pequena eu tinha uma vontade repentina de chorar e me esconder do mundo, e fazia. Eu simplesmente largava o que estava fazendo e ia chorar encolhida num canto qualquer. Quando eu contei isso para a psicóloga, ela fez uma anotação rápida e perguntou: "mas porque isso?". Eu nunca soube, então só dei de ombros. Eu sempre fui esse turbilhão de sentimentos, e com o tempo eu tentei me esconder. 

Eu parei de dizer, e tentei engolir o choro como mandavam. Aos nove anos eu ganhei um diário, e depositei tudo o que eu era e queria ser ali. Era um caderno azul, com um cadeado na frente. Dava para guarda-lo numa caixinha que vinha com ele e que podia carregar para qualquer lugar. Era possível abrir o cadeado com qualquer ponta que encaixasse ali, mas mesmo assim era o que eu mais confiava na vida. De desabafos, foram para cartas para alguém que eu mesma inventava. Depois foram para textos sobre como eu sentava sozinha no intervalo da escola, e como isso não mudou quando passei a pegar o ônibus escolar. 

Sempre sonhei em ser escritora. Eu tinha esse sonho de querer mudar o mundo através da linguagem, pela minha escrita. Fantasiava que um dia eu publicaria um livro, e escutaria por aí que mudei a vida de alguém. Mas a única coisa que consigo escrever são alguns textos melancólicos na tentativa de colocar um conselho no final. Um conselho para mim mesma. Eu costumava escrever romances, aventuras, terror, ficções e tudo que me tirassem de minha própria realidade. Eu gostava de escrever sobre garota empoderadas, que tinham o cabelo curto e não se escondiam atrás de um grande óculos ou uma franja. Eu simplesmente desaprendi e passei a escrever somente sobre mim, na tentativa de que alguém dissesse "ei, eu te entendo, agora vem cá". Quando eu comecei a escrever, eu me expus e me despejei em cada folha para lembrar a mim mesma que tudo que é bonito tem uma consequência. Então no fundo, eu não busco entendimento alheio. Eu só quero entender a mim mesma.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 23, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Fragmentos de um (des)conhecido eu.Onde histórias criam vida. Descubra agora