Alma de Urso - Livro II - Série Amores Indomáveis

I° Fragmento - Elloran

Algo macio.

Eu ainda estava em algo macio, mas tinha partes geladas me tocando. Machucavam, doíam, incomodavam o tempo todo. Nunca parava. Sempre estavam ali. Tentei me mover, mas meu corpo estava sem forças, sentia-me pesado, como se fosse feito de chumbo e não de carne e osso.
Há quanto tempo não comia? Alguns dias... Mas me davam água! Ah sim, a água eles me davam! Afogavam-me nela, lavavam meu corpo bruscamente, arranhando-me com esponjas duras que deixavam a pele ardida.

E então novamente o macio.

Colocavam-me naquela cama e ali esperava pelo toque horrendo daquelas mãos quentes. As mordidas doloridas em meus ombros, ou os arranhões em minha costas. O estrangulamento que por vezes pensei que ia por fim a aquele sofrimento, mas esse "fim" nunca veio. Eu sabia, mesmo quase fora de mim, quando meu corpo era violado. A dor era constante então já não me incomodava mais com ela, porém a fraqueza e o desgaste afetavam-me mais do que qualquer coisa.

Naquela noite, o toque das mãos quentes vieram acompanhados de mais violência, apertando-me, me arranhando, jogando meu corpo de um lado para o outro sem qualquer delicadeza. Novamente suas investidas em meu interior causaram sangramento, e diferente das outras vezes, o aperto quente em minha garganta não parecia diminuir.
Talvez aquele fosse meu fim.

Novamente fui largado naquele lugar macio, sozinho, no silêncio, no frio... Sem forças para me mexer. Porque ainda estava lutando tanto para sobreviver? Porque ainda doía tanto a ideia de morrer ali? Já não era o suficiente ter passado por toda aquela dor?

_Meu... - minha imaginação começou a pregar-me peças. Nunca tinha ouvido vozes antes, porém aquela tinha sido bem clara e próxima a mim.

Então senti um cheiro diferente, bem pertinho de mim, algo como um gemido ou soluço? Tinha alguém ali?
A última linha de esperança ainda estava firme e tênue, e eu quis muito me mexer e pedir ajuda. Um pouco de água talvez? Talvez aquela pessoa não se importasse de cobrir minha nudez... Talvez pudesse trazer-me algum resto para comer. Algo que me mantivesse vivo mais um dia.

_Gael, por favor, você precisa vir aqui! - ouvi a voz vacilar - por favor... Eu não consigo... Não consigo...

Meu coração pareceu diminuir e doer. O que ele não conseguia? Será que estava preso como eu? Sofrendo igual ou pior do que eu? Engoli com dificuldade e tentei respirar fundo, mas não conseguia. Me sentia ainda pior, como se isso fosse possível.
Passei um tempo apenas ouvindo aquele gemido baixo, então passos apressados e pesados.

_mas que Caralho é isso? - uma voz bradou ecoando no local, fazendo uma nova dor surgir em meu estômago - Emmett!

_meu...

_mas o que...

Senti algo afundar perto de mim e um toque duro, como de uma mão encoberta por algo, segurou meu pescoço, estava verificando meu coração, eu sabia, meu pai tinha me ensinado isso. Então algo se partiu com um estalo e aquilo frio e metálico em meu pescoço se foi, me causando um alivio imediato. Assim como em minhas pernas e mãos. Algo macio me envolveu e fui colocado perto de algo quente.

_venha! - aquela voz ordenou tão perto de mim, que só então reparei que o dono daquela voz era quem estava me carregando.

Para onde estavam me levando? Era um lugar melhor? Quem eram eles? O dono do cheiro bom ainda nos acompanhava, mas eu não ouvia sua voz. Eu desejava ouvir sua voz. Era bonita e melodiosa...

_aguente firme aí pequeno, vamos ajudar você! - o dono da voz que me carregava, falou para mim. Para mim. Eles iam me ajudar!

Não sabia quanto tempo tinha se passado, nem o que estava acontecendo, mas nada importava. Se pudesse, estaria sorrindo de felicidade por poder sair dali, qualquer lugar deveria ser melhor do que aquilo. Embora eu só conhecesse aquilo... Quando não se tem nada, qualquer coisa, significa muita coisa.